16 de out. de 2023

vou-me embora pra pindaíba

 





vou-me embora pra pindaíba

lá sou amigo do rei dos mendigos

e posso ler em paz os meus poetas

lá tenho a cama que eu quero

numa folha de jornal

lá não tem mulher que me aporrinhe

nem homem que me explore

em pindaíba sou feliz e também infeliz

sofro e choro o choro do escravo fujão

rio-me sozinho pescando sem anzol

sem roupa nenhuma deixo o sol me queimar

sem fome nenhuma para me atormentar

como a minha sede no suor no meu rosto

bebo a minha fome cutucando o buraco do dente



fui-me embora pra pindaíba

a buscar meu quinhão de vida sofrida

e quando cheguei lá pobre pobre de marré de mim

fiquei mais puto que os putos do bordel

não tem mais pindaíba

não tem mais nada lá

nem boi mugindo nem boi pastando

só silêncio de piroga afundada

e até em pindaíba uma pobreza igual à minha

está fudida e está lascada

pois não encontra mais é nada



28.9.2021

(Ilustração: Max Klinger)

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