o menino tira da boca a rosa – seu sorriso de dentes pequenos
ainda dentes de leite
não sabe para quem sorri o menino de olhos negros e suaves
sabe apenas que há uma farda e uma sombra negra à sua frente
amigo
amigo
sorri porque a vida ainda é um jardim de grama verde
por onde corre a bola grudada no pé
e o futuro é o gol que o amigo não conseguirá defender
e o abraço que terá dos amigos e depois no barracão
a zanga fingida da mãe e o angu com carne moída
cozido na trempe do fogão de lenha
o menino de riso de rosa cresce
e já na terceira esquina da vida precisa ganhar na cidade
o que cidade nunca lhe deu
ao sol quente do meio-dia no farol da esquina famosa
a cada motorista que para oferece o pouco que vende
a água e o chocolate de origem duvidosa
quem importa?
o menino-quase-homem-feito não se importa
se o dia está quente ou frio – a blusa de sempre
a mochila às costas de vez em quando um grito
vai trabalhar vagabundo
ele não se importa
já quase noite a lua aos poucos no céu
toma o menino-quase-homem-feito o trem para a lonjura do barraco
caminha agora pela rua já deserta
e sonha com o angu com carne moída na trempe do fogão da mãe preocupada
e sonha não com a rosa do seu sorriso de dentes de leite
– sonha com a rosa que tem dentes brancos como os seus
e o mesmo sorriso de esperança
quem sabe um dia
quem sabe - um beijo
quem sabe
e então o susto que assusta a lua
perdeu moleque perdeu
mãos à cabeça
encosta aí
abre as pernas
não olha não olha não olha para trás
cadê o dinheiro do furto
fala logo cadê
que não tenho tempo para tipinhos como tu
cala a boca
cala a boca
cala a boca
deita
deita
não olha
deita
mãos na nuca
no instante de raio de lua em que se volta
para deitar no asfalto frio
os olhos – os olhos – negros como os seus
o rosto – o rosto – negro como o seu
amigo?
o menino-quase-homem-feito não sentiu nada
apenas a lua no céu se escondeu atrás de uma nuvem
no barraco coberto de estrelas sem lua no céu escuro
o angu com carne moída
resta na trempe de fogo já morto
e está seco
seco para sempre
seco
7.3.2022
(Ilustração: José Carlos Miranda Brito)
(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
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