24 de jul. de 2024

miasmas de um tempo morto

 




rasteja pelos esgotos da cidade o meu pensamento

lateja o meu entendimento como perdigotos da meia idade

[desditosa a luz que me cega ao fim do túnel

quando não há túneis em meu corpo por onde corram

os miasmas de um tempo morto]

desespera o verso torto em busca de alexandrinos

mordem com seus podres caninos as jugulares

dos deuses dos altares dos bandeirantes ancestrais

para que jamais do esgoto surjam de novo

como zumbis a assustar o povo



latejam perdigotos nos esgotos da cidade

apodrecem as igrejas e as catedrais

comem-se vermes nas pousadas sertanejas

busca-se a inútil verdade pelos caminhos inteiriços

balança o enforcado como bandeira inconsútil

ao vento do tempo pelos caniços a chamar o povo à prece

e nada do que penso realmente padece

do sonho ou do pesadelo que na esperança torpe

entope de beijos escrotos os esgotos dessa metrópole



[todos os desejos que nascem na cidade

florescem no tempo morto ao sabor da dor e da morte]





27.10.2023

(Ilustração: Tarsila do Amaral - Composição (figura só) - 1930)

Nenhum comentário:

Postar um comentário