rasteja pelos esgotos da cidade o meu pensamento
lateja o meu entendimento como perdigotos da meia idade
[desditosa a luz que me cega ao fim do túnel
quando não há túneis em meu corpo por onde corram
os miasmas de um tempo morto]
desespera o verso torto em busca de alexandrinos
mordem com seus podres caninos as jugulares
dos deuses dos altares dos bandeirantes ancestrais
para que jamais do esgoto surjam de novo
como zumbis a assustar o povo
latejam perdigotos nos esgotos da cidade
apodrecem as igrejas e as catedrais
comem-se vermes nas pousadas sertanejas
busca-se a inútil verdade pelos caminhos inteiriços
balança o enforcado como bandeira inconsútil
ao vento do tempo pelos caniços a chamar o povo à prece
e nada do que penso realmente padece
do sonho ou do pesadelo que na esperança torpe
entope de beijos escrotos os esgotos dessa metrópole
[todos os desejos que nascem na cidade
florescem no tempo morto ao sabor da dor e da morte]
27.10.2023
(Ilustração: Tarsila do Amaral - Composição (figura só) - 1930)
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