o poeta que habita em mim
tem arroubos de genialidade que eu – um pobre ser humano –
teria – por ser tímido – pruridos de confessar
mas tem também zurros horrendos de burros velhos
que eu – um tantinho orgulhoso de minhas leituras –
não ousaria jamais emitir
o poeta que habita em mim
escreve poemas de me que orgulho quando os leio
mas também produz bobagens tais
que só não os rasgo e jogo fora porque ele não deixa
e ainda se ri da minha cara com o riso louco dos escarnecedores
o poeta que habita em mim
escreve às vezes lições de vida que transcendem meu entendimento
mas também destroça meus sentidos
com lacrimosas estâncias de românticos imberbes
o poeta que habita em mim
canta hosanas a deuses e sábios com o frescor de liras romanas
mas também esquece muitas vezes o bom-mocismo
e chafurda em carnalidades de bordéis de beira de estrada
o poeta que habita em mim
parece haver vivido vidas tão antigas quanto a babilônia
ter singrado mares em navios corsários
ter mergulhado em pântanos atrás de tesouros inexistentes
ter rezado missas em picos nevados
ter atravessado desertos em lombos de dromedários
e ter feito guerras improváveis em reinos impossíveis
o poeta que habita em mim
derrama azeite quente nas minhas feridas
coloca icebergs que afundam navios dentro de meu peito
corrige meus estertores de cada dia
alucina com meus sonhos e gargalha com meus pesadelos
o poeta que habita em mim
terça espadas com meus sentimentos todos
e como um espadachim de luz e trevas
conduz meus passos lentos e meus versos tortos
para o topo de uma vida que eu gostaria de ter vivido
18.11.2023
(Ilustração: Fernando Santos: Bocage e as Ninfas, 1929
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