13 de set. de 2024

o poeta que habita em mim

 




o poeta que habita em mim

tem arroubos de genialidade que eu – um pobre ser humano –

teria – por ser tímido – pruridos de confessar

mas tem também zurros horrendos de burros velhos

que eu – um tantinho orgulhoso de minhas leituras –

não ousaria jamais emitir



o poeta que habita em mim

escreve poemas de me que orgulho quando os leio

mas também produz bobagens tais

que só não os rasgo e jogo fora porque ele não deixa

e ainda se ri da minha cara com o riso louco dos escarnecedores



o poeta que habita em mim

escreve às vezes lições de vida que transcendem meu entendimento

mas também destroça meus sentidos

com lacrimosas estâncias de românticos imberbes



o poeta que habita em mim

canta hosanas a deuses e sábios com o frescor de liras romanas

mas também esquece muitas vezes o bom-mocismo

e chafurda em carnalidades de bordéis de beira de estrada



o poeta que habita em mim

parece haver vivido vidas tão antigas quanto a babilônia

ter singrado mares em navios corsários

ter mergulhado em pântanos atrás de tesouros inexistentes

ter rezado missas em picos nevados

ter atravessado desertos em lombos de dromedários

e ter feito guerras improváveis em reinos impossíveis



o poeta que habita em mim

derrama azeite quente nas minhas feridas

coloca icebergs que afundam navios dentro de meu peito

corrige meus estertores de cada dia

alucina com meus sonhos e gargalha com meus pesadelos



o poeta que habita em mim

terça espadas com meus sentimentos todos

e como um espadachim de luz e trevas

conduz meus passos lentos e meus versos tortos

para o topo de uma vida que eu gostaria de ter vivido



18.11.2023

(Ilustração: Fernando Santos: Bocage e as Ninfas, 1929

Nenhum comentário:

Postar um comentário