22 de set. de 2024

os miseráveis

 




o nojo que se sente

pelas ruas de são paulo

esse fedor de urina e merda

não vem esse fedor de urina e merda

das bundas do povo da rua

são nojeiras que descem

das mansões de luxo da elite

- rios de urina e merda –

- rios ricos de ouro e prata –



a merda que sai da bunda dos miseráveis

é merda gestada nas bocarras ridentes

de bilionários insensíveis – que não pagam impostos

de governantes comprados – que só pensam nos ricos

dos políticos corruptos – que só fazem obras superfaturadas



o cheiro podre da urina dos miseráveis

nasce nas garrafas de vinhos romanée-conti grand cru

bebidos sobre tapetes persas de apartamentos de 600 metros quadrados

nos chamados bairros nobres da cidade que naufraga

que naufraga na urina e na merda mais rica do mundo

mijadas e cagadas em latrinas banhadas no ouro dos rios amazônicos



não culpe portanto – meus amigos e amigas - os miseráveis

pela imundície que sangra seus narizes e arrepia sua pele



o que sangra o pobre é a faca afiada

do desprezo

o que sangra o pobre é a faca dourada

da insensibilidade



a mesma faca afiada que corta o pescoço das aves que engordam o foie gras

a mesma faca dourada que passa no croissant fartas porções de caviar



eles – os poderosos – comem comidas poderosas

eles – os poderosos – bebem bebidas poderosas

e os miseráveis todos das ruas da cidade

cagam e mijam essas comidas e bebidas poderosas

que nunca cheiraram e nunca provaram



resta a eles – aos miseráveis das ruas da cidade –

a folha de alface murcha da lixeira do restaurante de luxo

a folha de alface murcha sonhada como endívias em cremes de ouro

resta a eles – aos miseráveis das ruas da cidade –

o osso do peru de natal da classe média

o osso do peru da classe média roído como carne do boi wagyu

resta a eles – aos miseráveis das ruas da cidade –

o resto de coca-cola azeda no fundo da garrafa jogada no meio-fio

o resto de coca-cola azeda bebida como uísque 12 anos



o caviar - o vinho – a alface murcha – o osso roído – a coca-cola

não importa quem bebe

não importa quem come

se tudo vira merda

a merda eterna que pelas paredes de mármore de carrara

das mansões dos poderosos



portanto – meus amigos e minhas amigas –

relevem o cheiro de urina e merda

das ruas da cidade

que o cheiro podre não vem da bunda dos miseráveis

o cheiro podre das ruas da cidade – de todas as cidades –

vem da bocarra infame dos engolidores de dólares

que só engordam nossos fígados

para comê-los como canibais

nos banquetes e orgias das bolsas de valores



são eles a urina que mijam os miseráveis pelas ruas

são eles a bosta que cagam os miseráveis pelas ruas



3.1.2024

(Ilustração: Gustave Doré - Dudley Street Seven Dials, 1872)

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