28 de set. de 2024

Palimpsesto de esperança

 



A droga que injeto em minhas veias todos os dias

É a vida.

A droga que cheiro em carreiras loucas por ruas tortas

É a vida.

A droga que queimo no meu cachimbo da paz a cada hora

É a vida.

A droga que bebo de bar em bar para afastar o tédio

É a vida.



Masculiniza-me a droga da vida para os saltos e sobressaltos do mundo.

Feminiliza-me a droga da vida para os desentorpecimentos de minha mente.

Movido que sou pela droga da vida não queimo o pavio da vela pelos dois lados.



Então eu vos pergunto – oh meus irmãos de estrada – por onde caminhais?

Que estrelas do espaço sideral guia vossas vontades de sangue?

Por que vos matais a vós mesmos a cada respingo de chuva ácida?

Por que vos matais a vós mesmos nos campos de batalha?

Por que vos matais a vós mesmos em cada beco sujo por motivo fútil?

Quais são as vossas encruzilhadas e os vossos descuidados dissídios?



Não coloquemos coroa de flores no túmulo do soldado desconhecido.

Não ergamos estátuas a generais nem a pseudo-heróis de sujas batalhas.

Não cultivemos a mão armada que se ergue por fúria ou preconceito.

Abracemos a volta dos desertores e espalhemos flores atrás de seus passos.

Apenas a poderosa droga da vida corra como sangue por nossas veias.

A vida. Ah, a vida!

Celebremo-la.

Cantemo-la.

Dancemo-la.

Que se espalhem pelos caminhos os nossos risos - não as nossas lágrimas.

Que depois de cada curva não estejam a nos espreitar os espectros dos assassinos.

Que haja depois de cada pedra que machuca nossos pés um tapete de folhas verdes e botões de flores e sementes das árvores que nos darão os frutos do mais que ansiado respeito à vida.



Assim penso eu – o ingênuo poeta desses tempos de tormentos e espantos.

Assim penso eu – ó meus quase irmãos de compartilhadas crenças – como um desabafo de esperança que escreva uma nova história no palimpsesto de cada pele que cobre nossos corpos.



15.3.2024

(Ilustração: Oskar Kokoschka:Dolomite Landscape)



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