31 de dez. de 2008
QUANDO É OUTRA A CAVERNA (SOB OS BIGODES DE NIETZSCHE)
sob os bigodes de Nietzsche:
nela cabem destinos,
nela cabem desdouros.
Um sonho também ali se esconde,
sob os bigodes de Nietzsche:
sorri, sozinho, como um louco
mas sonha sonhos de homens livres.
Não há na caverna de Nietzsche,
ali escondida sob os bigodes,
nem mistérios de Platão
que, coitado, na sua idiotia
expulsou toda a poesia
que podia haver no mundo;
nem há também nesta caverna
as socráticas falsidades,
nem deuses de fachada,
nem cristianismos rastejadores
ou quaisquer crenças de vento e dor,
porque, da caverna sob os bigodes,
um trovão de liberdade
levou para o alto o ser humano,
como um vôo de águia em céu de abril.
Dos bigodes de Nietzsche
à caverna que se desenha embaixo,
limpa o vento todo o podre
de fraquezas ancestrais
que não podem ficar guardadas
por mais tempo dentro do homem:
nessa caverna, não se matam deuses,
que estão mortos desde sempre,
mas destrói seus altares
todo o vento que sai dali.
Universos para além do homem
cria o sábio na montanha:
palavras em dardos transformadas,
dali de dentro jorradas,
não palavras melindradas
de um sábio louco a ditar
à irmã mais idiota
um mar de símbolos que ela comeu
e aos pés de Hitler devolveu
em diarréia colossal:
os pêlos do bigode pensador
eram muito mais indigestos
que os pêlos do bigode ditador.
Dali bem de dentro,
da caverna que se esconde
sob os duros pêlos dos bigodes
(tão plurais, tão magistrais)
nova aurora (ou um novo espanto)
fez o homem mais completo,
destronou o padre eterno,
e fez nascer um novo canto;
e esse homem renovado
constrói em cada passo
os mundos que hoje enlaço
e envio via Internet
a cada canto e a cada mente
que celebre, enfim, o novo tempo
do homem livre como o vento
que sai como um lampejo
da caverna que troveja
sob os bigodes de Nietzsche.
13.9.2004
26 de dez. de 2008
São paulo desconstruída
porque te conheço, estremeço
Isaias Edson Sidney
quarta-feira, 25 de outubro de 2000
terça-feira, 2 de abril de 2002
segunda-feira, 12 de maio de 2003
domingo, 14 de janeiro de 2024
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
quinta-feira, 18 de janeiro de 2024
(Ouça esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
https://open.spotify.com/episode/6Kub2z6GvCL89oyCF2S6Qs?si=3eLFr8QmQyej03ckzJk81w)
24 de dez. de 2008
CAMINHEIRO DE MINAS
(Jonas Odab - paisagem mineira)
Manhã na estrada, a rã
pula:
pula a mula.
I
Caminha o caminheiro
com seu passo
ligeiro.
I
O tempo
ao vento
é lento.
I
Na trilha,
o sol
mais que brilha.
I
O cão vadio:
a vida sempre
por um fio.
I
Canta o carro de boi
que a vida
ainda não se foi.
I
Constrói
o caminho
quem anda sozinho.
I
Montanhas
de Minas:
saudades traquinas.
I
No topo
do morro, num sopro:
socorro!
I
De cada caminho,
guardam os pés
um espinho.
I
Rasga a pele
o espinho que medra.
A alma, rasga-a a pedra.
I
Ao fim do caminho,
a cidade.
Ao fim do olhar, a saudade.
I
Seja por onde for,
leva o caminheiro
o seu amor.
I
O caminheiro o passo aperta
carregando no peito
a chaga aberta.
I
Caminheiro, esta a sina:
só dói quando caminha
esse amor que amofina.
I
No rosto
o vento que bate
só traz desgosto.
I
Cada passo
que avança
uma triste lembrança.
I
À noite,
na estrada, o vento
é açoite.
I
Dorme o corpo cansado:
não descansa o peito
desesperado.
I
Se sonha, estremece:
no sonho um olho preto
que o endoidece.
I
Cansado
como um cão vadio,
não sente dor nem frio.
I
Dia após dia,
noite após noite,
amor não cansa nem fia.
I
De novo na estrada,
segue triste o caminheiro
e mais nada.
I
Caminha, caminheiro,
caminha:
leva como sua
a dor que é a minha.
(Foto de Fátima Alves - paisagem mineira)
22 de dez. de 2008
VINTE E QUATRO POEMAS ESTRANHOS & UMA CANÇÃO SEM PÉ NEM CABEÇA
quando parece
terem sido ditas todas as palavras...
quando parece
terem sido pensados todos os aforismos...
quando parece
terem sido tecidas todas as tramas...
quando parece
terem sido gemidos todos os suspiros...
um novo sonho vem
e recria
suspiros, tramas, aforismos, palavras,
para dar à alma cansada do homem
um novo alento
chama-me teu amor
promete-me teus ais
dá-me o teu abrigo
desce de teus pedestais
és mulher
serás desejo
serás o que eu quiser
ao sabor de meu ensejo
deixa de lado o teu medo
entrega-me o teu beijo
não adies o enredo
que tanto tempo levaste
a entretecer
se a mim me chamaste
quero toda te ver
não folha levada ao vento
não folha levada ao vento
mas semente deitada ao eito
a brotar doce rebento
na fértil terra de meu leito.
sente comigo a espera
da visita tão rara
sobe comigo como a hera
ao muro que nos separa
se aos poucos seremos dois
não deixes o agora para depois
vento que na brisa traz o cheiro
da terra de repente molhada:
faz lembrar em mim o amor inteiro
que sinto por minha namorada:
se amor é chama
quero soprá-lo ao teu ouvido
mas se amor é cama
quero um dia tê-la comido
que tragas medo
que tragas fogo
que tragas trapo
que tragas gozo
que tragas ventre
que tragas vento
que tragas veias
que tragas grito
só não quero que tragas
o caminho que já trilhaste
um sopro apenas
para brincar com meus pêlos
um sopro apenas
para desenrolar os meus novelos
um sopro - um sopro apenas -
e minhas neuras todas
voarão como penas!
louca:
que sejas louca
como Ismália a pular da torre
estúpida:
que sejas má
como a madrasta da Branca de Neve
horrível:
que sejas feia
como o corcunda de Notre Dame
tapada:
que sejas burra
como um Frajola perdendo todas
que sejas tudo o que não és, meu amor,
só não deixes que eu te mate dentro de mim
assim como a vida em dado momento
dos anseios faz a realidade
é o teu beijo sempre esperado
louco sonho que eu almejo
instante breve a mudar de repente
a trajetória toda de minha vida
perigas alcançar
do cometa apenas a nuvem
quebra o teu gelo e vem
que o céu é pra voar
não te dei à toa
o meu anseio por amar
ouve a canção que ainda soa
no rabo da estrela
se deixares de vê-la
a sua luz se apagará
e o amor que tu sonhaste
nunca mais virá
acorda, amor, acorda
que da nuvem do cometa
não descerá nenhuma corda
que te levará para mim
e deixa que eu sonhe assim
sempre assim... sempre assim...
mergulha, amor, mergulha
como um dia eu me afundei
em teus cabelos
não esperes que a onda suba
não esperes que o vento mude
não esperes que a terra seque
não esperes que a jabuticabeira dê frutos
mergulha de cabeça
em meus anseios
como um dia eu me enterrei
todo inteiro em teu olhar
não queiras que eu me arraste
não queiras que eu me mate
não queiras que me destrua
não queiras que uive para a lua
pula de teus pedestais
e mergulha, amor, mergulha
que tuas noites serão meus dias
na pedra ao sol
a lagarta embranquece
na pedra à sombra
a lagarta empretece
assim teu sorriso
abre-se em tons estranhos
no meu ninho
ou na árvore vizinha
és lagarta de veludo
és lagarta de queimar
se não te fujo
me matas
se te fujo mato-me eu
louca é a manhã
em que acordo pensando em ti
louco é o dia
em que trabalho pensando em você
louca é a noite
em que misturo tudo e não sei mais
se te chamo ou se a chamo
afinal, o que importa?
pronomes não implicam
mais ou menos paixão
se é assim que eu sou
é assim que levamos
aquilo que seria um amor sério
você lá
eu aqui
a vida no meio
correndo como uma gota de suor
que vai da testa ao chão
eu aqui
você lá
o que vale mesmo é ter
um e-mail
e uma conta longa de telefone
no final do mês
vi num muro do meu bairro:
“fulana, eu te fiz mulher”
e embaixo a resposta:
“fulano, eu te fiz homem”
de mim, querida, o que fizeste?
por enquanto apenas
um internauta louco
a escrever versos sem sentido
que talvez nem mesmo você os leia
e se os ler
talvez nem entenda que são para ti
no meu português correto
fruto de muitos anos de prática
não consigo dar um esporro
que faça você ligar para mim
se te peço o favor de um beijo
de propósito misturando pronomes
fico logo depois com uma puta dor
na consciência
não pelo beijo negado
mas pelo pronome trocado
(que porra!)
faça o seguinte:
leia e releia cada e-mail
e pense que não são para você
pense que alguém lá das europas
talvez
um dia se apaixonou por uma atriz de televisão
talvez
apenas talvez
não force muito sua cabecinha em busca
de melhor explicação
pense depois que são palavras ao vento
apenas sentimentos que não levam a nada
palavras bonitas
é verdade
mas apenas palavras bonitas
que uma atriz de televisão
jamais entenderia
e pense ainda mais
sempre sem forçar muito
que o pobre rapaz europeu
está torrando à toa
muitos bits e bytes
de seu microcomputador
que louca é a vida
e se louca não fosse
não seria a vida
eu te amo você me ama
mas tudo o que podemos dizer
um ao outro
nessa troca de e-mails
(palavra besta essa)
são desejos são ensejos
de que entre um micro e outro
haja alguma compatibilidade
um dia um velho amigo
um churrasco programou
pelo computador
irritado alguém comentou
que jamais compareceria
a um churrasco programado
pelo computador
que diria o irritadinho
se nos visse trocando juras
lindas juras de amor
pelo computador
tantas palavras de amor
que já foram ditas
tantos são os versos
de promessas mil
que já foram escritos
tantas as expressões
de eternas juras
de olho no olho
tantas vezes repetidas
que tenho vontade
de tirar de um velho tango
ou de um bolero rasgado
do tempo de nossos pais
uma promessa bem safada
pra selar o nosso amor
como lhe dizer que...
como lhe falar de...
como lhe contar sobre...
como... como... como...
diga-me você o que pensa
abra a sua cabeça
o amor é sempre louco assim
não banque comigo a difícil
nem seja fácil de entender
vou procurar atingir
e seguir o rumo
do seu pensamento
deixe que eu entre
que eu entre em sua cabeça
deixe que eu conquiste
que eu conquiste o seu coração
eu sei que é babaca
um poema de amor
mas como lhe dizer que...
que te amo mais que...
como lhe falar de...
de coisas que não ouso...
como lhe contar que...
que sou besta e te amo...
é tudo muito muito
muito mais que uma lua
no céu e um sol no mar
se eu busco coerência?
ora, para quê me visitaria
a essa altura da vida
essa senhora vetusta
chamada coerência?
confesso, aqui entre nós,
que muita vez a busquei
entre versos de Bilac
ou nos cipoais transidos
dos passos de Pessoa
sonhei com ela no embalo
de visões um tanto estranhas
de todos os simbolistas
almejei alcançá-la, afinal,
em poetas clássicos
como Camões, por exemplo,
mas fui encontrá-la
toda torta e amarrada
nas diatribes baianas
do Boca do Inferno
então, na poesia, aqui
me apresento
diante de teus olhos de espanto
para dizer-te afinal
que totalmente sem coerência
eu ainda te amei
é, talvez, um jeito
estranho
mas é essa a maneira
que achei
de te dizer o que digo
de te dizer o que quero
não basta
que saibas de tudo
não basta
que sonhes comigo
não basta, enfim,
que te apaixones
por mim
quero-te nua como a lua
quero-te quente como o sol
quero-te com todos
os lugares-comuns
dos versos de amor
é essa a maneira
o jeito estranho, sim,
de te dizer que
te quero, te quero, te quero
te quero toda
desse jeito estranho
nem que tomasse absinto
poetando na belle époque
diria tudo o que sinto
ou te daria este toque:
busquei a rima rica
para encher o verso meu
como um Verlaine renascido
só para te impressionar
não pretendo rimar
o amor que a ti eu minto
com o amor que por ti eu sinto
tomara que tu aprendas
tomara que te arrependas
tomara que te rendas
falo e escrevo e rimo
e busco e sonho e sofro
mas tu não aprendes
que é tudo isso por ti
e tu não te arrependes
do mal que fazes a mim
e tu não te rendes
aos reclamos dos versos meus
que são afinal apenas
apenas versos de quem
só sabe sonhar que tu aprendas
só sabe querer que te arrependas
só sabe rimar que tu te rendas
se falo contigo em versos tão antigos
se escrevo para ti em lentas caligrafias
de tarde de outono
se versejo meio sem graça o verso torto
que teima em se ajeitar na folha branca
se declamo para mim sozinho
juras de amor e promessas de carinho
se te peço de joelhos
à moda dos cavaleiros medievais
se te faço a corte como um rei
da velha França (podes escolher qualquer Luís)
se navego como um internauta louco
por sites e bytes de meu computador
se arquiteto sonhos e miragens
em camas de motel
se faço e refaço na tela azul
de meu laptop
um desenho de cores acidulantes
se tomo como um louco
de minha própria cocaína
em meu cérebro produzida
para viagens de loucos horizontes perdidos
se vivo em sonho traduzido
para tua imagem adorar
se falo
se escrevo
se versejo
se declamo
se navego
um poema sem pé nem cabeça
para te dizer apenas uma expressão sem graça
já tantas vezes repetida
para te dizer apenas uma frase boba
que tenho vergonha de dizer de novo
então paro por aqui mesmo
e fico torcendo que um dia leias
esse louco louco louco
poema
sem pé
sem pé e sem cabeça