e te costuro em versos enquanto
constróis labirintos dentro de mim
e porque me perco em teus labirintos
me sinto puxado por um fio que não sabes
aonde me levas
és na minha mente
uma megaluz de encantos e desencantos
calidoscópica miragem
na cena de minhas muitas memórias
- minha santa infernal são paulo de estranhezas e certezas -
diáspora de rios que te comem por baixo
a carne mal-amada de redemoinhos de amores
e prazeres e sofreres e de encantos mil
na cruz vermelha de tua bandeira
há certezas inauditas
de todas as tuas conquistas –
padres e mamelucos travestidos de tua pobreza
e também de tua riqueza –
centro convexo de concavidades altaneiras
do planalto ao mar
para o salto infinito de tuas ambições
teus rios te devoram,
teus homens te devoram,
tuas mulheres te devoram
e tu mastigas todos eles a cuspir poeiras
de caminhos e fuligens de chaminés,
lentas as carruagens que te construíram,
velozes os ventos que te dão asas
teus poetas não te entenderam
e te declararam inóspita e desvairada
nada de ti se perde
tu a tudo transformas em transgênicas longevidades
e partes a bufar caminhos por onde não os há:
pontes e viadutos não te distinguem da paisagem inútil
do alto inspiras ao que aspiras
e vives de teus pecados
como prometeu acorrentas-te à carne
para salvar o sonho
e quando escapas da alternância dos maus profetas
que te comem os olhos
acomodas-te a teus anseios de distantes horizontes
entrelaça teu destino ao meu,
santa são paulo dos desprazeres
entrelaça o teu sonho ao nosso,
santa são paulo dos desfazeres
entrelaça o teu cabedal ao sonho
e sobe para o teu posto de guerreira tupinambá
na ascese de antropofagias anti-europeizantes,
santa são Paulo de todos os quereres
do jongo ao samba na roda da saracura,
tu és bastilha de cadinhos de raças e contra-raças,
tu foste o que tens sido sempre,
apesar dos sonhos comidos,
dos caminhos destruídos,
das pontes perdidas no horizonte de teus anseios:
talhada a flecha e a tacape
a foices e a martelos de deuses de todos os cantos
caminhas para o teu destino de soberba e fé
miseráveis sombreiam teus viadutos que a nada conduzem,
enquanto os ricos escoam teu ouro
por paisagens rompidas em subterrâneas vias,
e ratos podres sobem do seio do rio de águas grossas
para o poder no topo de agulhas que buscam o infinito,
és negra branca amarela parda em multi-azuis-amarelos
-amarelecidos brasões de bandeiras e desentradas
por vias nunca de agora até sempre pisadas
por teus bravos desbravadores de trilhas,
tuas choças de aço te corromperam os intestinos
e vomitas a fuligem negra
de arrotos de aço e cobre e ácidos sulfúricos sulfídricos
em sulfanoses e esgares de mitos não resolvidos,
teus parques de anônimos urucuns e grumixamas
estranham o beijo que o asfalto celebra,
e neste asfalto tua história tem flecha e bala
esmagaste um dia teus filhos em celas pútridas
e abençoaste teus renegados assassinos,
transbordaste lágrimas por serpenteantes exéquias
por teu herói montado em máquinas luzentes
e por aquele que, ungido,
em teus braços adormeceu na ante posse do poder,
se contraditas tuas agonias
em esgares de palácios impávidos
nas sagradas colinas de teus fundadores,
desesperas teus filhos
em angustiantes torneios de sobrevivência
e abraças o desconhecido de longes terras
como teus salvadores,
és áfricas nos seios de tuas negras
és europas nos desenhos de teus jardins.
és américas na velocidade de teus arrojos,
és asias de silêncio e força em teus olhos de espanto,
abriste tuas pernas para o mundo
e agora prostituis o útero da mãe terra
em vesgos esgares de anoréxicas amantes
no cadafalso de leis inauditas,
és o berço de heróis malditos
nas chamas de histórias de sangue na serra da mantiqueira,
e foste resistência quando rasgaram teu peito,
tornas-te emblema no grito pela liberdade,
mergulhas no sonho de peixes mortos
nos teus rios de engodos,
és mameluca gente a correr como baratas tontas
em dias de gala na marcha fúnebre de teus exércitos imberbes,
sonhas o meu sonho
e transmites via internet o carma antigo
de que deves crescer muito além de ti mesma,
ó santa são paulo,
oh santa são paulo de piratiningas,
tuas cheias serviram o peixe a todos os povos
que antes de existir tua floresta de cimento e sangue
cruzaram teu solo na pegada do peabiru
oh santa são Paulo
de macambúzios povos
de peles claras e olhos azuis
loucas avenidas de luz e som
sujas ruelas de mel e mijo,
minados campos ancestrais o teu paulistano espigão,
floridos os campos do futuro
que a cada dia ergues e desconstróis,
campos elísios, elísios campos
de ventos alísios e de bois de venta,
de caminhos inúteis que não te permitem saíres de ti,
ó santa são paulo,
oh são paulo de pauis e putas,
são podres os teus poderes
são impuros os teus sonhos
e os sonhos de teus inimigos
tens no entanto a nobreza do altiplano
e quando te rejuvenesces no amarelo das quaresmeiras,
tinge-se de vermelho o teu pôr de sol em dias de carnaval,
serpenteia pela montanha o teu cortejo de almas penadas
a buscar esmeraldas que o sonho esculpiu
nas feridas da terra que povoaste,
santa achiropitta
santa de almas loucas no sobe e desce de bondes imaginários
a conduzir sonhos impúberes de funcionários públicos,
colinas de aço a contemplar horizontes que não mais alcanças,
teus pilares são pilares de esperanças
para aqueles que erguem cada centímetro
de teus sonhos verticais
- tuas pirâmides de aço e vidro
jaçanãs, jaçanãs, rios de jaçanãs,
peitos coloridos de verde e amarelo
a pintalgar o canto de tuas asas que embricam
em fornos de aço
a construir moinhos de dons quixotes
e sanchos panças a brandir lanças
em ilhas de prosperidade e mel,
teus ventos redemoinham teus sonhos
e ecoas mais alto o grito de teus ipirangas,
mataste o grito de teus primevos gentios
que habitavam anhagabaús e jaraguás,
no teu peito pulsa
o coração de aço do operador da bolsa de valores,
quem te compra, quem te compra,
ó santa são paulo,
oh santa são paulo,
riscos de laser em teu céu de chumbo,
riscos de faca em esquinas semafóricas de perigos e drogas,
teus filhos te odeiam,
ó santa são paulo,
te odeiam porque não podem te odiar,
e reclamam teus anseios
e restauram teus brios em ouros de palácios encantados
e em teatros de europeia estirpe,
abraças com teu charme o charme do europeu,
encantas com teu encanto a sutileza
de todos os teus orientais,
batizas nas cinzas de teu fogo
todos os árabes em judeus convertidos,
todos os judeus em árabes transmutados,
teus sábios desdenham de ti,
teus convivas não agradecem o banquete,
és mais brasil
que todos os demais brasis
és mais amazônica
que todos os que em ti sonham o teu sonho,
mais estranha ainda
na estranha gente de olhos de estanho,
essa gente que vem por ti
de longes terras de estranhos falares e esgares,
para cumprir com seus sonhos o teu destino,
para cumprir com suor e sangue as tuas desesperanças,
contemplas do alto de tuas colinas
os teus rios magros e sujos
e desdenhas teu povo tísico de fuligens de motores,
teu povo que corre ladeira abaixo,
teu povo que corre rio acima,
teu povo que corre escadas abaixo,
teu povo que corre elevadores acima,
impulsionados todos por tuas alucinações e paixões,
odeio-te,
ó santa são paulo,
oh são paulo de maus humores e bons amores,
amo-te,
ó santa são paulo,
oh são paulo de maus amores e bons humores,
mas não te amasse mais que tu me odeias
mas não te odiasse menos que tu me amas
nesse jogo o teu destino se cumpriria em mim
como eu cumpro em ti
chega-te a mim
ó megalópole de iras e dor e prazeres impensados
a correr pelos campos de outrora para o sempre,
sê o teu próprio cadinho de metamorfoses
e serei eu o teu profeta
a endeusar em versos teus destinos e tuas verdades,
encanta-te de mim, encanta-te,
e no museu aberto de tuas chagas de flechas e tacapes
esculpirei teu semblante no bronze,
no bronze dos sinos de tuas catedrais,
para sempre e sempre,
como todo aquele que um dia se vergou
aos teus desencantos nobres
ou aos teus encantos mais pobres
se te estranho ainda,
não te enlaces em minhas dores,
guarda, guarda, enfim, para o poeta exausto
o cálice bento de tua juventude
de quatrocentos e tantos anos
ó são paulo,
oh santa são paulo
de meus desalentos e de minhas esperanças
- nossa sempre (in)feliz-cidade...
Deixou-me com lágrimas nos olhos, caro poeta! Bravo!!!!
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