17 de dez. de 2008

FRUTA MADURA


(Andre Muller)



♣♣♣

olho para fora
e o mundo parece
o que é agora:
rede que tece e retece
o tempo e o momento
a coser a vida

neste movimento

rede entretecida
assim sempre aos poucos
seus fios enleia
ao longe a cadeia
dos sonhos mais loucos

a fruta no pé

madura parece
mas aquilo que é
ao toque fenece
já podre por dentro

um círculo de luz

uma ave no centro
a morte produz
o estranho chamado

será o tempo tecido

para sempre sonhado
jamais esquecido?


3.10.97




♣♣♣

as marcas que trazes
de tantas estradas
a teu rosto atadas
com fortes tenazes
são traços de amores
um dia esquecidos

assim como as cores

de todas as flores
os traços colhidos
deixaram marcado
para sempre teu rosto
e mesmo o desgosto
mais fundo calado
jamais esquecido
parece mais belo
assim colorido


3.10.9



♣♣♣

o sonho que escrevo

parece tão perto
o sonho que devo
parece deserto

busca-se assim

o sonho inserto
na vida mais fútil

se choro não vejo

o caminho inconsútil
aos poucos tecido
na teia da vida

se rio não gozo

a emoção mais sofrida
de ver a estrada
tornar cada pedra
em erva que medra
no peito da amada

e o sonho buscado

nos olhos da amante
nos grãos do deserto
é o sonho encantado
que está mais distante
estando mais perto



29.10.97





♣♣♣


Minas: minas Minas

que mina em saudade
saudade a escorrer
a escorrer dos morros
morros e montes
montes e montanhas
minas do ouro
a minar o ferro
minas ondeantes
em mares de morros
Minas do pouco
Minas do muito
Minas de gerais
dos gerais de minas
Minas Gerais:
um soluço entranhado


9.12.9





♣♣♣


sabe a vento

a fruta negra ao galho presa
sabe a cheiro de mato
a cheiro de riso

e só ela sabe

do belo que contêm
a negra forma
o redondo olho
de doce prazer
que explode no céu
no céu do sabor
em orvalho de mel

sabe a sucos

que só se revelam
no último êxtase
e o mel que escorre
sabe a rios que correm
nas babilônias

sabe a vento

a vento de Minas
a negra filha
que d’África não veio
a negra fruta
da jabuticabeira


9.12.97





♣♣♣

traço no ar o traço dos olhos
com que olhas
o mundo

e o traço que vejo

em íris tornado
desenha no mundo
os sonhos que pintas
com a cor dos teus olhos

um dia talvez os meus olhos

de tanto seguirem
o traço dos teus
não vejam no mundo o que o mundo revela

e os porcos que grunhem

na lama mais pútrida
não tenham nos olhos o traço de luz
com que traçam - e tu não sabes -
destinos de homens


(s/d)



♣♣♣

é preciso recompor
cada letra dentro da palavra
cada palavra dentro da frase
cada frase dentro do pensamento
cada pensamento dentro do poema
cada poema que devia ser escrito e se perdeu

é preciso


apenas isso



28.2.98





♣♣♣


2 x 2 é sempre igual a quatro

dois mais dois é sempre igual a 4
seja o 4 seja um quatro
a idéia que se quer, no entanto,
nem sempre é resultado
da soma ou da multiplicação
de 2 idéias ou dois pensamentos
anteriores
o que não quer dizer que a poesia
seja antimatemática
e isso também não quer dizer
absolutamente nada


28.1.98





♣♣♣


ESTROFE N.º 1


este verso é exatamente igual

ao verso que começa a estrofe nº2
exceto por um detalhe

ESTROFE N.º 2


este verso é exatamente igual

ao verso que começa a estrofe n.º 1
exceto por um detalhe

ESTROFE N.º 3


o verso n.º 3 da estrofe n.º 1

é exatamente igual
ao verso n.º 3 da estrofe n.º 2
exceto por um detalhe

ESTROFE N.º 4


todos os últimos versos de cada estrofe

são absolutamente iguais
exceto por um detalhe

ÚLTIMA ESTROFE


o último verso desta estrofe

é exatamente igual ao último verso
das estrofes anteriores
agora sim mais do que antes
exceto por um detalhe.




28.1.98
♣♣♣

tudo quanto tenho escrito
sonha sonhos impossíveis

tudo quanto tenho escrito

pensa pensamentos improváveis

tudo quanto tenho escrito

sonha pensamentos mais que possíveis

tudo quanto tenho escrito

pensa sonhos mais que prováveis


28.2.98





♣♣♣

nada te sonha tanto
nada te enternece menos
nada nada nada quanto
te esculpo como Vênus


28.1.98





♣♣♣


a fera fareja

a presa indefesa

a fera urra

à presa indefesa

a fera chega

à presa indefesa

a fera salta

em cima da presa indefesa
em cima da presa
em cima da
em cima
em

até que a presa fique fera



28.1.98



♣♣♣

caça meus sonhos
ó predadora

lambe minhas feridas

ó provedora

alimenta minhas visões

ó sonhadora

e faz de mim

campo de todas as tuas experiências



28.1.98





♣♣♣

na tarde em que te vi
ociosa
dentro de mim
capturei teus desígnios
e desde aquele instante
és, impensada deusa,
a rainha de meus sonhos
a escrava de meus desejos
e o concreto estorno
de minha criatividade,
ó Poesia


28.1.98



♣♣♣

atendi ao teu chamado
e depredaste-me

joguei-me ao teu sonho

e abandonaste-me

escravizei-me ao teu desejo

e vendeste-me

predadora deusa e senhora

és agora em minha íris
a imagem pétrea do meu espanto



28.1.98


♣♣♣

o quanto colhes
da fruta que te atrai
dá o sentido
do mundo a teus pés

a fruta que cai

madura à terra
deixa no solo
o sentido mistério
da sombra por vir

se tens os sentidos

ao vento aguçados
ouve o segredo
segue o caminho
e deixa em teu rastro
sementes de vida


29.1.98




♣♣♣

conheço o teu cheiro
pressinto teus passos

a tua carne flébil

sabe a mel e frutas

o teu grito rouco

de esgar e prazer
é canto de ave
é sopro de vento

teus abismos conheço

e neles já me encontrei

nos teus cumes de estranhas luzes

em festas mil me queimei

o teu gesto de espera

é tudo quanto cumpres
de vida e de amor
para me fazeres feliz


30.1.98





♣♣♣

de fora o vento
não me traz montanhas

de fora o cheiro

não me traz o mato

de fora o som

não me traz pintassilgos

de fora o calor

não me traz cachoeiras

de fora o óleo cru

não me traz ora-pro-nobis

e tudo quanto mina

assim do meu peito
mina assim de um jeito
de um jeito que vem de Minas.




30.1.98


♣♣♣

hoje amanheci assim
com uma puta saudade
saudade de onde eu vim
de Lavras pequena cidade
perdida no mato além
como perdido estou também


30.1.98



♣♣♣

nos pingos da chuva
a gota amarga

na gota amarga

a lembrança

na lembrança

o encanto

no encanto

a gota

na gota

você


5.2.98




♣♣♣

frutos meus do vosso
ventre
frutos vivos do nosso
encanto

sementes de permanência

sonhos em vidas
transformados
na certeza de passos
que deixam marcas
na certeza de marcas
de indelével luz

frutos teus do nosso

encanto


6.3.98




♣♣♣


bem que eu cria

fazer-te um dia
a vida minha

bem que eu via

que eras em ti
a vida minha

bem que eu li

no teu destino
a vida minha

mas nunca crera

que um dia recebera
da tua vida
a vida minha



17.2.98


♣♣♣

protejo-me à tua sombra
e sorris
arrisco-me ao sol
e foges-me

és flébil ameaça

aos meus instintos
és crença de vida
e vida de sonhos

teu sorriso

à sombra de frutos
semeia o sonho

trânsfuga vais

e deixas em mim
apenas o vácuo
de beijos não colhidos


17.2.98


♣♣♣

amarga a língua
em minha língua
enroscada

amarga a saliva

em minha saliva
transformada

amargo amor

de frutos e vento

amargo amor

de pranto e veneno


17.2.98

♣♣♣

quero-te fruta
na boca adoçada
quero-te sumo
no peito a correr
manga chupada
em fiapos tornada
manga sugada
em gotas de mel
até que em carne
a polpa se abra
até que o gozo
te faça brotar
de novo a fruta
em manga tornada


17.2.98


♣♣♣

bebo teu som
e sonho teu cheiro
como teu riso
e morro ao teu anseio

não respeito

teu doce sonhar
e trepo em teu tronco
ave a buscar
a fruta madura
ao sol do teu olho

nas garras de rapina

levo-te ao ninho
no alto do morro
e faço-te anseio
de risos e sons

ficas assim

estrela do sempre


17.2.98


♣♣♣


recortas ao longe

horizontes de luz
e trazes em gotas
prazeres de ti

recortas distante

um sonho perdido
e vendes em potes
o ouro que colhes
nos confins de teus mundos

és irisada deusa

dos ventos de outrora
a mágica sombra
do meu desespero


17.2.98




♣♣♣


não estás em meus versos

porque te escondi
na esquina em tercetos
de loucos sonetos
que nunca escrevi


17.2.98



♣♣♣


estranhas as rimas

estranhas as quebras
dos versos que lês

amiga, não estranhes

eu peço
não estranhes

são apenas rabiscos

que podem nada querer

são apenas extemporâneas lágrimas

que podem nada dizer

não estranhes, por favor,

que estejam presentes
num mesmo poema
fervores de antanho
desejos futuros

as frutas que colhes

nem sempre escolhes

e assim como as frutas

que de flores não passam
são sempre mais belos
os versos perdidos
que nunca escrevi


17.2.98



♣♣♣

à sombra rala da tipuana em flor
meu pensamento em pedra transcendido
congela o tempo de agora
para o tempo de outrora

ao poeta louco a cidade estranha

mas não esconde em seus caminhos
o passo trêfego do outrora jovem que foi
a buscar na vida o que a vida negaceia

e a tipuana ali

é o tempo congelado
como testemunha de sonhos poucos
e vontades muitas

nos galhos centenários de cicatrizes

a tipuana traça em permanência
a vida errante de mundos novos
e a saudade antiga a queimar de novo



12.3.98 (lavras)



♣♣♣

no bico do pássaro
em ascendente voo
a fruta que era
será

será o sonho renascido

em terra nova
de novo planta
como o sonho a cada dia
sonha a vida que era
para a vida que será


31.3.98


♣♣♣

não quero o teu sonho
não quero os teus frutos
quero apenas de teus olhos
o brilho de neon
da estrela renascida

e num verso bem babaca

disputarei o direito de dizer
quanto é bela a saudade
quando em fruta transformada


31.3.98


♣♣♣

as flores da tipuana
que em frutas não se transformam
são os sonhos que se estiolam
nos caminhos que se perdem
a deixar na pedra o rastro
do pensamento congelado


12.3.98 (Lavras)




♣♣♣


à noite quando sonho

repetem-se cenas de que me lembre
da velha casa onde nasci

à noite quando sonho

também que me lembre
a imagem materna
me faz em lágrimas acordar

à noite quando não lembro

sonhos etéreos de noites
mal dormidas
sei que meu pensamento
em vagas ondas de louco encanto
buscou a casa
buscou o regaço
e trouxe de volta
o menino pobre de pés no chão
que nasce de vez em quando
quando à noite sonho
sonhos que não me lembrem


28.4.98




♣♣♣

o sal que encarquilha
o teu belo rosto
não menos brilha
que meu desgosto

maldigo então o meu encanto

a querer-te sempre assim
a chorar o doce pranto
que tanto choras por mim

se secas, no entanto,

os teus olhos por meu gosto
farei que meu salgado pranto
faça mais belo teu belo rosto


27.5.98




♣♣♣

inspira-me tu,
pobre país,
a fazer de ti
a esfinge interpretada:
teu eterno futuro
em nada parece
com teu presente

teus limites são sonhos

inúteis sonhos
de inúteis grandezas

inspira-me, então,

a fazer de ti
não mais a terra molhada
de rubro sofrer

sê para todos

apenas a pátria
do fruto que cai
maduro do sol
polpudo da chuva
inteiro na boca


2.6.98





♣♣♣

mágicos tempos
de buscas perenes

a lua que nasce

num canto de céu
clareia mostrengos
soltos nos ares

mágicos tempos

de fogos-fátuos
de buscas inúteis
de buscas perenes

o cão a ladrar

estrebucha de fome
com olhos de pena
ao dono que cata
os restos de pão
da última ceia
da mesa cristã
solidária mesa
mesa solitária
de mágicos tempos

um trapo que anda

um olho que vaza
uma boca sem língua
o espaço dos dentes
são frutas malvistas
de mágicos tempos
de loucuras perenes

sobre a ponte o ouro

sob a ponte o chumbo
panelas que batem
ossos que andam
e o fogo não queima
nos mágicos tempos
da mesa liberal


(s/d)


♣♣♣

saciai vossos anseios
na pedra da missa
sacudi vossos pecados
ao pé dos altares
deixai vossa sede
na mesa dos tempos
dos mágicos tempos
do gesto mais fútil

uivem os lobos

no planalto central
gargalhem as hienas
no paço imperial
ergam espadas
acendam os canhões
não deixem que venham
as hordas que nascem
em cada canavial
atirem aos cães
a carne
o osso
o olho
atirem aos cães
pedaços de gente
que a mágica dos tempos
de cada tripa rubra
fará com que brote
bandeiras
bandeiras
e bandeiras

mágicos tempos

de buscas perenes
mágicos tempos
que ousam nascer


4.6.98





♣♣♣

os rios que correm
ao norte
os rios que morrem
ao norte

as nuvens que traçam

o norte
as nuvens que entrelaçam
a morte

o pássaro que abrevia

a sorte
o pássaro que assobia
à morte

o sonho que tece

o norte
o sonho que empobrece
a sorte

no norte

a morte
na morte
o norte




5.6.98



♣♣♣


não há pistas

não há traços
não há pegadas

há somente o sentimento da vida

o travo amargo
da fruta que embora madura
ganhou do verme
o direito de chegar à mesa

não há cheiros

não há sons
arrepios também não há

que fiquem apenas

a saliva que sabe a veneno
e o espanto do olho

a fruta no pé

está madura

apenas isso



5.6.98


FIM


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