(Andre Muller)
♣♣♣
olho para forae o mundo parece
o que é agora:
rede que tece e retece
o tempo e o momento
a coser a vida
neste movimento
rede entretecida
assim sempre aos poucos
seus fios enleia
ao longe a cadeia
dos sonhos mais loucos
a fruta no pé
madura parece
mas aquilo que é
ao toque fenece
já podre por dentro
um círculo de luz
uma ave no centro
a morte produz
o estranho chamado
será o tempo tecido
para sempre sonhado
jamais esquecido?
3.10.97
♣♣♣
as marcas que trazesde tantas estradas
a teu rosto atadas
com fortes tenazes
são traços de amores
um dia esquecidos
assim como as cores
de todas as flores
os traços colhidos
deixaram marcado
para sempre teu rosto
e mesmo o desgosto
mais fundo calado
jamais esquecido
parece mais belo
assim colorido
3.10.9
♣♣♣
o sonho que escrevo
parece tão perto
o sonho que devo
parece deserto
busca-se assim
o sonho inserto
na vida mais fútil
se choro não vejo
o caminho inconsútil
aos poucos tecido
na teia da vida
se rio não gozo
a emoção mais sofrida
de ver a estrada
tornar cada pedra
em erva que medra
no peito da amada
e o sonho buscado
nos olhos da amante
nos grãos do deserto
é o sonho encantado
que está mais distante
estando mais perto
29.10.97
♣♣♣
Minas: minas Minas
que mina em saudade
saudade a escorrer
a escorrer dos morros
morros e montes
montes e montanhas
minas do ouro
a minar o ferro
minas ondeantes
em mares de morros
Minas do pouco
Minas do muito
Minas de gerais
dos gerais de minas
Minas Gerais:
um soluço entranhado
9.12.9
♣♣♣
sabe a vento
a fruta negra ao galho presa
sabe a cheiro de mato
a cheiro de riso
e só ela sabe
do belo que contêm
a negra forma
o redondo olho
de doce prazer
que explode no céu
no céu do sabor
em orvalho de mel
sabe a sucos
que só se revelam
no último êxtase
e o mel que escorre
sabe a rios que correm
nas babilônias
sabe a vento
a vento de Minas
a negra filha
que d’África não veio
a negra fruta
da jabuticabeira
9.12.97
♣♣♣
traço no ar o traço dos olhoscom que olhas
o mundo
e o traço que vejo
em íris tornado
desenha no mundo
os sonhos que pintas
com a cor dos teus olhos
um dia talvez os meus olhos
de tanto seguirem
o traço dos teus
não vejam no mundo o que o mundo revela
e os porcos que grunhem
na lama mais pútrida
não tenham nos olhos o traço de luz
com que traçam - e tu não sabes -
destinos de homens
(s/d)
♣♣♣
é preciso recomporcada letra dentro da palavra
cada palavra dentro da frase
cada frase dentro do pensamento
cada pensamento dentro do poema
cada poema que devia ser escrito e se perdeu
é preciso
apenas isso
28.2.98
♣♣♣
2 x 2 é sempre igual a quatro
dois mais dois é sempre igual a 4
seja o 4 seja um quatro
a idéia que se quer, no entanto,
nem sempre é resultado
da soma ou da multiplicação
de 2 idéias ou dois pensamentos
anteriores
o que não quer dizer que a poesia
seja antimatemática
e isso também não quer dizer
absolutamente nada
28.1.98
♣♣♣
ESTROFE N.º 1
este verso é exatamente igual
ao verso que começa a estrofe nº2
exceto por um detalhe
ESTROFE N.º 2
este verso é exatamente igual
ao verso que começa a estrofe n.º 1
exceto por um detalhe
ESTROFE N.º 3
o verso n.º 3 da estrofe n.º 1
é exatamente igual
ao verso n.º 3 da estrofe n.º 2
exceto por um detalhe
ESTROFE N.º 4
todos os últimos versos de cada estrofe
são absolutamente iguais
exceto por um detalhe
ÚLTIMA ESTROFE
o último verso desta estrofe
é exatamente igual ao último verso
das estrofes anteriores
agora sim mais do que antes
exceto por um detalhe.
28.1.98
♣♣♣
tudo quanto tenho escritosonha sonhos impossíveis
tudo quanto tenho escrito
pensa pensamentos improváveis
tudo quanto tenho escrito
sonha pensamentos mais que possíveis
tudo quanto tenho escrito
pensa sonhos mais que prováveis
28.2.98
♣♣♣
nada te sonha tantonada te enternece menos
nada nada nada quanto
te esculpo como Vênus
28.1.98
♣♣♣
a fera fareja
a presa indefesa
a fera urra
à presa indefesa
a fera chega
à presa indefesa
a fera salta
em cima da presa indefesa
em cima da presa
em cima da
em cima
em
até que a presa fique fera
28.1.98
♣♣♣
caça meus sonhosó predadora
lambe minhas feridas
ó provedora
alimenta minhas visões
ó sonhadora
e faz de mim
campo de todas as tuas experiências
28.1.98
♣♣♣
na tarde em que te viociosa
dentro de mim
capturei teus desígnios
e desde aquele instante
és, impensada deusa,
a rainha de meus sonhos
a escrava de meus desejos
e o concreto estorno
de minha criatividade,
ó Poesia
28.1.98
♣♣♣
atendi ao teu chamadoe depredaste-me
joguei-me ao teu sonho
e abandonaste-me
escravizei-me ao teu desejo
e vendeste-me
predadora deusa e senhora
és agora em minha íris
a imagem pétrea do meu espanto
28.1.98
♣♣♣
o quanto colhesda fruta que te atrai
dá o sentido
do mundo a teus pés
a fruta que cai
madura à terra
deixa no solo
o sentido mistério
da sombra por vir
se tens os sentidos
ao vento aguçados
ouve o segredo
segue o caminho
e deixa em teu rastro
sementes de vida
29.1.98
♣♣♣
conheço o teu cheiropressinto teus passos
a tua carne flébil
sabe a mel e frutas
o teu grito rouco
de esgar e prazer
é canto de ave
é sopro de vento
teus abismos conheço
e neles já me encontrei
nos teus cumes de estranhas luzes
em festas mil me queimei
o teu gesto de espera
é tudo quanto cumpres
de vida e de amor
para me fazeres feliz
30.1.98
♣♣♣
de fora o ventonão me traz montanhas
de fora o cheiro
não me traz o mato
de fora o som
não me traz pintassilgos
de fora o calor
não me traz cachoeiras
de fora o óleo cru
não me traz ora-pro-nobis
e tudo quanto mina
assim do meu peito
mina assim de um jeito
de um jeito que vem de Minas.
30.1.98
♣♣♣
hoje amanheci assimcom uma puta saudade
saudade de onde eu vim
de Lavras pequena cidade
perdida no mato além
como perdido estou também
30.1.98
♣♣♣
nos pingos da chuvaa gota amarga
na gota amarga
a lembrança
na lembrança
o encanto
no encanto
a gota
na gota
você
5.2.98
♣♣♣
frutos meus do vossoventre
frutos vivos do nosso
encanto
sementes de permanência
sonhos em vidas
transformados
na certeza de passos
que deixam marcas
na certeza de marcas
de indelével luz
frutos teus do nosso
encanto
6.3.98
♣♣♣
bem que eu cria
fazer-te um dia
a vida minha
bem que eu via
que eras em ti
a vida minha
bem que eu li
no teu destino
a vida minha
mas nunca crera
que um dia recebera
da tua vida
a vida minha
17.2.98
♣♣♣
protejo-me à tua sombrae sorris
arrisco-me ao sol
e foges-me
és flébil ameaça
aos meus instintos
és crença de vida
e vida de sonhos
teu sorriso
à sombra de frutos
semeia o sonho
trânsfuga vais
e deixas em mim
apenas o vácuo
de beijos não colhidos
17.2.98
♣♣♣
amarga a línguaem minha língua
enroscada
amarga a saliva
em minha saliva
transformada
amargo amor
de frutos e vento
amargo amor
de pranto e veneno
17.2.98
♣♣♣
quero-te frutana boca adoçada
quero-te sumo
no peito a correr
manga chupada
em fiapos tornada
manga sugada
em gotas de mel
até que em carne
a polpa se abra
até que o gozo
te faça brotar
de novo a fruta
em manga tornada
17.2.98
♣♣♣
bebo teu some sonho teu cheiro
como teu riso
e morro ao teu anseio
não respeito
teu doce sonhar
e trepo em teu tronco
ave a buscar
a fruta madura
ao sol do teu olho
nas garras de rapina
levo-te ao ninho
no alto do morro
e faço-te anseio
de risos e sons
ficas assim
estrela do sempre
17.2.98
♣♣♣
recortas ao longe
horizontes de luz
e trazes em gotas
prazeres de ti
recortas distante
um sonho perdido
e vendes em potes
o ouro que colhes
nos confins de teus mundos
és irisada deusa
dos ventos de outrora
a mágica sombra
do meu desespero
17.2.98
♣♣♣
não estás em meus versos
porque te escondi
na esquina em tercetos
de loucos sonetos
que nunca escrevi
17.2.98
♣♣♣
estranhas as rimas
estranhas as quebras
dos versos que lês
amiga, não estranhes
eu peço
não estranhes
são apenas rabiscos
que podem nada querer
são apenas extemporâneas lágrimas
que podem nada dizer
não estranhes, por favor,
que estejam presentes
num mesmo poema
fervores de antanho
desejos futuros
as frutas que colhes
nem sempre escolhes
e assim como as frutas
que de flores não passam
são sempre mais belos
os versos perdidos
que nunca escrevi
17.2.98
♣♣♣
à sombra rala da tipuana em flormeu pensamento em pedra transcendido
congela o tempo de agora
para o tempo de outrora
ao poeta louco a cidade estranha
mas não esconde em seus caminhos
o passo trêfego do outrora jovem que foi
a buscar na vida o que a vida negaceia
e a tipuana ali
é o tempo congelado
como testemunha de sonhos poucos
e vontades muitas
nos galhos centenários de cicatrizes
a tipuana traça em permanência
a vida errante de mundos novos
e a saudade antiga a queimar de novo
12.3.98 (lavras)
♣♣♣
no bico do pássaroem ascendente voo
a fruta que era
será
será o sonho renascido
em terra nova
de novo planta
como o sonho a cada dia
sonha a vida que era
para a vida que será
31.3.98
♣♣♣
não quero o teu sonhonão quero os teus frutos
quero apenas de teus olhos
o brilho de neon
da estrela renascida
e num verso bem babaca
disputarei o direito de dizer
quanto é bela a saudade
quando em fruta transformada
31.3.98
♣♣♣
as flores da tipuanaque em frutas não se transformam
são os sonhos que se estiolam
nos caminhos que se perdem
a deixar na pedra o rastro
do pensamento congelado
12.3.98 (Lavras)
♣♣♣
à noite quando sonho
repetem-se cenas de que me lembre
da velha casa onde nasci
à noite quando sonho
também que me lembre
a imagem materna
me faz em lágrimas acordar
à noite quando não lembro
sonhos etéreos de noites
mal dormidas
sei que meu pensamento
em vagas ondas de louco encanto
buscou a casa
buscou o regaço
e trouxe de volta
o menino pobre de pés no chão
que nasce de vez em quando
quando à noite sonho
sonhos que não me lembrem
28.4.98
♣♣♣
o sal que encarquilhao teu belo rosto
não menos brilha
que meu desgosto
maldigo então o meu encanto
a querer-te sempre assim
a chorar o doce pranto
que tanto choras por mim
se secas, no entanto,
os teus olhos por meu gosto
farei que meu salgado pranto
faça mais belo teu belo rosto
27.5.98
♣♣♣
inspira-me tu,pobre país,
a fazer de ti
a esfinge interpretada:
teu eterno futuro
em nada parece
com teu presente
teus limites são sonhos
inúteis sonhos
de inúteis grandezas
inspira-me, então,
a fazer de ti
não mais a terra molhada
de rubro sofrer
sê para todos
apenas a pátria
do fruto que cai
maduro do sol
polpudo da chuva
inteiro na boca
2.6.98
♣♣♣
mágicos temposde buscas perenes
a lua que nasce
num canto de céu
clareia mostrengos
soltos nos ares
mágicos tempos
de fogos-fátuos
de buscas inúteis
de buscas perenes
o cão a ladrar
estrebucha de fome
com olhos de pena
ao dono que cata
os restos de pão
da última ceia
da mesa cristã
solidária mesa
mesa solitária
de mágicos tempos
um trapo que anda
um olho que vaza
uma boca sem língua
o espaço dos dentes
são frutas malvistas
de mágicos tempos
de loucuras perenes
sobre a ponte o ouro
sob a ponte o chumbo
panelas que batem
ossos que andam
e o fogo não queima
nos mágicos tempos
da mesa liberal
(s/d)
♣♣♣
saciai vossos anseiosna pedra da missa
sacudi vossos pecados
ao pé dos altares
deixai vossa sede
na mesa dos tempos
dos mágicos tempos
do gesto mais fútil
uivem os lobos
no planalto central
gargalhem as hienas
no paço imperial
ergam espadas
acendam os canhões
não deixem que venham
as hordas que nascem
em cada canavial
atirem aos cães
a carne
o osso
o olho
atirem aos cães
pedaços de gente
que a mágica dos tempos
de cada tripa rubra
fará com que brote
bandeiras
bandeiras
e bandeiras
mágicos tempos
de buscas perenes
mágicos tempos
que ousam nascer
4.6.98
♣♣♣
os rios que correm
ao norteos rios que correm
os rios que morrem
ao norte
as nuvens que traçam
o norte
as nuvens que entrelaçam
a morte
o pássaro que abrevia
a sorte
o pássaro que assobia
à morte
o sonho que tece
o norte
o sonho que empobrece
a sorte
no norte
a morte
na morte
o norte
só
5.6.98
♣♣♣
não há pistas
não há traços
não há pegadas
há somente o sentimento da vida
o travo amargo
da fruta que embora madura
ganhou do verme
o direito de chegar à mesa
não há cheiros
não há sons
arrepios também não há
que fiquem apenas
a saliva que sabe a veneno
e o espanto do olho
a fruta no pé
está madura
apenas isso
5.6.98
FIM
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