Não, não era uma visão aterradora o cemitério à frente da estrada
por onde andava em sonho como se acordado estivesse.
Logo depois da colina, a curva do caminho
desbravava em baixo, à esquerda, a visão
de um campo imenso de cruzes brancas, muitas, muitas cruzes.
Aproximei-me curioso.
O vento soprava do norte e balançava algumas poucas árvores
quer cercavam o imenso gramado verde com cruzes brancas.
E, como era dia, uma coruja cinza era um bolo de penas
sobre uma das cruzes, fincada numa só perna, a cabeça entre as asas.
A grama fofa afundava sob meus pés.
O cheiro dos cravos confundia-se com o cheiro de terra molhada –
havia chovido um pouco, recentemente – e tudo era
muito, muito patético: eu, ali, no meio daquele campo verde
cercado de cruzes brancas, totalmente nu,
sim, eu estava nu como vim ao mundo
e essa nudez em vez de me incomodar trazia-me
um grande conforto, o conforto da liberdade.
Caminhei por entre as cruzes brancas naquele campo verde.
Caminhei por muito, muito tempo, lendo os epitáfios
e os nomes dos que ali residiam definitivamente.
Havia nomes de muitas nacionalidades, mas predominavam
os sons rascantes da língua alemã em contraste
com a sonoridade grega de tempos remotos,
mas havia franceses, ingleses, noruegueses,
e até mesmo brasileiros (poucos) e estadunidenses (ainda menos, sei lá por quê!)
e epitáfios, epitáfios jocosos, irônicos, vetustos e velhacos,
não os guardei na memória – nem os nomes, nem os epitáfios,
levados todos pelo vento que soprava do norte
e passava pela minha cabeça como borracha em caderno escrito a lápis.
Sei, e sei apenas porque há um esforço enorme de vencer o vento,
que eram nomes e epitáfios de velhos filósofos e filósofos novos,
e todos eles ali, mortos, mortos como sempre estiveram em vida,
grudados todos – tanto em vida quanto agora, mortos – às velhas
manhas da metafísica, aos pensamentos abstratos da razão impura,
aos tratos da imponderabilidade, aos interlúdios de pensamentos
conexos e desconexos, de concavidades e obtusidades,
presos para sempre na vã escola dos que creem mais do que veem.
E eu estava ali, naquele campo verde de cruzes brancas, a contemplar
- nu e feliz, feliz, de cabelos ao vento – aquelas campas mal encobertas
de grama fofa, quando o vento trouxe a mensagem, a mensagem
ouvida apenas por meus pensamentos, numa voz clara e pacientemente
monótona e repetitiva, a mensagem que me encheu de alegria e que dizia:
- estão mortos, estão todos mortos, estão mortos os filósofos todos –
e a voz dentro de mim gargalhava, um estrondo ribombando em câmera lenta,
e repetia, e repetia a mensagem:- estão todos mortos, todos mortos,
estão mortos todos os filósofos – e a voz em êxtase ribombava em câmera lenta:
- ressuscitai, ressuscitemos todos, agora mesmo, ó vós todos que me escutais,
ressuscitai, de vossos recônditos ressuscitai! Se estão mortos
todos, todos os filósofos, ressuscitemos a boa e velha filosofia!
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