29 de ago. de 2011

BRASILIANAS - II





13. falando da carta de Caminha,



(1)



na história de Portugal
há um Vasco que navegou
na história do Brasil
há um Vasco que não chegou




(2)



botelhos no mar
e mais: rabos-de-asnos



furabuchos no ar



mareados os mareantes
gritaram de cá:
- terras ao mar!
outros mareantes de lá:
- mas onde, ó pá?
de lógica navegante:
- se dos asnos os rabos avistamos
terras haverá



e terra se avistou:
estava para sempre a descoberto
o país que o luso povo pisou




(3)



mandaram a terra
pequena nau
a bordo um tal
de Nicolau



ah! que glória na terra
se índio fizera
fizera cara de mau
se índio sentara
sentara no pau
esse tal, esse tal de Nicolau




(4)




a feição deles
ai Jesus, ai Jesus
bons rostos
ai Jesus, ai Jesus,
narizes bem feitos
ai Jesus, ai Jesus
sem cobertura alguma
ai, Jesus, ai, Jesus,
andam todos nus
ai, Jesus, ai
todos nus,
Jesus, ai,
e as vergonhas
ai, Jesus, ai,
nem eram fanadas
ai, Jesus
pelo meu santo bento
ai!
que não me agüento!



(5)




é de bom tom
por uma seta
um cascavel, ai!
que bom!



de rodilha,
por um arco,
dou-te a manilha,
ai, que me muero!



toma lá um sombreiro
que na sombra te quiero!



de tanto troca-troca
coisa alguma por qualquer osso
que uma carapuça de linho
enfio-a até o pescoço



(6)




das cores das flores
das cores das aves
corpos de cores
quartejada a tez
de preto e azul
um jogo de xadrez
furado o riso:
e eu, Caminha,
na minha caminha, oh,
meu rei, que perco o siso




(7)




deus a mim ponha
em sua bondade,
majestade,
mas era cada vergonha
assim tão cerradinha,
assim tão limpinha,
que olhar para ela
era nossa a vergonha
não era vergonha dela



(8)




graciosa dessa moça,
a vergonha tão tingida
e tão bem feita
e tão redonda
e tão mais bela
- perdão, majestade -
que nem a rainha
igual à dela
beleza tão rara
não a tinha



(se bem gostara)



(9)




essa gente cá da terra
da missa rezada
nada entenderam
mas à missa dançada
logo, logo se renderam




(10)




do ribeiro, água – muita e boa
da palmeira, o palmito – logo comido



das gentes, o riso – sempre farto
dos corpos, o cheiro – sempre limpos



da terra, a grandeza – não mais
nem ouro, nem prata, nem ferro



mas de tudo o que nela há
fica a fé e nada mais


(Ilustração: Oscar Pereira da Silva)



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