31 de ago. de 2011

BRASILIANAS - II






falando da carta do índio,



(1)



grande piroga
lá longe ficou
pequena piroga
com gente sem corpo
na praia bateu



índio pensou:
se tem carne por baixo
comida ruim





(2)





piroga maior
que oca de índio
piroga com medo
lá longe ficou:



ao vento
folhas de buriti
com traço cruzado
da cor do urucum



tronco em cima de tronco
em cada tronco
anhangás apinhados
embaixo alguns, outros em cima
piroga de viva planta



índio com medo
com muito medo:
piroga de branco
tem muito segredo





(3)




da pele sobre a pele
nariz desperta
uma onça molhada



da pele sobre a pele
nariz descobre
carnaúba queimada



da pele sobre a pele
nariz desespera
a bosta de macaco



povo que vem
em oca tão grande
não gosta de rio





(4)





povo que tem cabelo na cara
povo que tem piroga na cabeça
povo que tem piroga no pé
povo que tem a arma que brilha
povo que tem barriga amarrada
povo que tem coisa que vê
povo que bebe a água que arde
povo que fala mais que enrolado
povo que adora dois troncos cruzados
povo que reza com o joelho no chão
povo que cheira a porco molhado
povo que tem um tanto de tralha



...e não tem cunhã!...




 

(5)





laguinho redondo:
e a cara de pêlo
de repente já era
riso de cunhã
bronca de cacique
espanto de pajé
careta de curumim
grito de macaco
trazendo alegria
a todos na tribo



mas índio pensou
que alma de índio
pra sempre ficou
naquela prisão
de laguinho redondo





(6)





índio chamou branco:
queria dançar



branco chamou índio:
queria rezar



índio dançou e rezou
branco só rezou



branco é besta
que nem anhangá





(7)





branco foi pro mato
no mato cortou árvore
da árvore serrou tronco
pegou tronco e cruzou
e na cruz pregou
seu deus



índio não quer deus
pregado num cruzeiro
índio quer deus livre
pra livrá-lo do cativeiro





(8)



brancos que aqui ficaram
depois que brancos partiram
índio agradeceu,
índio cuidou,
e cada branco que índio engordou
índio comeu



mas índios que branco levou
na piroga grande pro grande mar
índio nunca soube
se o branco de lá longe
deles gostou




(9)





tantas vezes branco aguçou
olho pra coisa que brilha
que índio pobre pensou:
só tenho riqueza na mata,
só tenho riqueza na gente,
tivera mais coisa que brilha
pau que mata de longe
muitos índios mataria



(ler futuro,
nem pajé inda sabia...)


(Ilustração: Dulcinea Brito)



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