5 de out. de 2016

os caminhos estão gastos




(Valquíria Cavalcante)






os caminhos estão gastos

com as marcas dos meus pés

meus pés estão cheios de calos

com as marcas dos caminhos

olho ao redor

não vejo mais os meus companheiros

estão quase todos mortos

e os que não estão mortos

estão distantes



minha vida parece feita de miasmas

um fogo-fátuo que se estiola

sem ter de fato brilhado algum dia



as paredes da minha casa têm manchas

de bolor e de tinta carcomida pelo tempo



o canto do sabiá lá fora

no começo da manhã

parece triste e sem sentido

no meio de tantos edifícios feios e cinzentos



as manhãs de outubro

que traziam o cheiro da primavera

nos pingos da chuva

são apenas manhãs sem brilho e sem esperança



gostava de ouvir músicas antigas

quando era jovem

e essas músicas agora são tão mais antigas

que perderam todo o sentido

agora são antigas

as músicas de quando eu era jovem

e ninguém mais as assobia

ou cantarola

pelas madrugadas fundas

de noites estreladas



carrego nos ombros meu pessimismo

e não sou nem um pouco

qualquer coisa do tipo

palmatória do mundo

o tempo pesa sim

sem que o possa culpar de meus males

sempre o tive como aliado

jogava o seu jogo

agora que ele me abandona

pelos caminhos de areia grossa

que ainda tenho diante dos olhos

busco em vão que meus passos

ainda deixem pegadas ao lado

das urzes e das pedras

que ainda cante o tempo e a vida

isso apenas acende um pouco o sol

de manhãs cada vez mais raras



inútil a busca por companheiros mortos

inútil o encontro com companheiros vivos

a ninguém será dado assistir

aos meus funerais



a madrugada que se esvai

não traz de volta as manhãs de outubro

quando um dia fui eu mesmo

a subir a lenta e longa ladeira

da minha casa para a praça de meus folguedos

para a praça onde nasciam a cada dia e cada noite

a esperança de um amor

e a utopia do sonho inútil

só o que me resta a fazer

é aconchegar-me às cobertas

dormir até que o sol a pino

anuncie o começo do entardecer



4.10.2016

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