(Valquíria Cavalcante)
os caminhos estão gastos
com as marcas dos meus pés
meus pés estão cheios de calos
com as marcas dos caminhos
olho ao redor
não vejo mais os meus companheiros
estão quase todos mortos
e os que não estão mortos
estão distantes
minha vida parece feita de miasmas
um fogo-fátuo que se estiola
sem ter de fato brilhado algum dia
as paredes da minha casa têm manchas
de bolor e de tinta carcomida pelo tempo
o canto do sabiá lá fora
no começo da manhã
parece triste e sem sentido
no meio de tantos edifícios feios e cinzentos
as manhãs de outubro
que traziam o cheiro da primavera
nos pingos da chuva
são apenas manhãs sem brilho e sem esperança
gostava de ouvir músicas antigas
quando era jovem
e essas músicas agora são tão mais antigas
que perderam todo o sentido
agora são antigas
as músicas de quando eu era jovem
e ninguém mais as assobia
ou cantarola
pelas madrugadas fundas
de noites estreladas
carrego nos ombros meu pessimismo
e não sou nem um pouco
qualquer coisa do tipo
palmatória do mundo
o tempo pesa sim
sem que o possa culpar de meus males
sempre o tive como aliado
jogava o seu jogo
agora que ele me abandona
pelos caminhos de areia grossa
que ainda tenho diante dos olhos
busco em vão que meus passos
ainda deixem pegadas ao lado
das urzes e das pedras
que ainda cante o tempo e a vida
isso apenas acende um pouco o sol
de manhãs cada vez mais raras
inútil a busca por companheiros mortos
inútil o encontro com companheiros vivos
a ninguém será dado assistir
aos meus funerais
a madrugada que se esvai
não traz de volta as manhãs de outubro
quando um dia fui eu mesmo
a subir a lenta e longa ladeira
da minha casa para a praça de meus folguedos
para a praça onde nasciam a cada dia e cada noite
a esperança de um amor
e a utopia do sonho inútil
só o que me resta a fazer
é aconchegar-me às cobertas
dormir até que o sol a pino
anuncie o começo do entardecer
4.10.2016
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