picos e vales assim a vida nos ensina e nos leva
prazer e dor
riso e lágrimas
noite e dia
as antíteses lugares comuns de todo e qualquer vivente
tantas são elas que lamentavelmente as adotamos e adoramos
picos de prazer
vales de sombras
lugares
lugares comuns de nossas vidas tão mexidas e tão inúteis
aprende-se e reaprende-se e repetem-se os opostos a nos iludir
não sabemos de nada e a nada nos leva o saber da onda que vai e vem
não nos diz a vida que os picos podem ser congelantes
e os vales
os vales podem ser muito mais que aconchegantes
não sabemos por que nos afligimos nos vales e nos alegramos nas alturas
quando temos nos vales a sombra e as águas
e nada temos nos picos além de prováveis horizontes
sonhamos com o inferno dentro de céus de mentiras
e temos pesadelos no céu com infernos que nos atormentam
metáforas inúteis metáforas de cacos de vida
a vida o ser o coração tudo despedaçado não importa onde estejamos
quer seja o vento no rosto quer seja a corrente nos calcanhares
o abismo não fica aos nossos pés olhando nossos queixumes
o abismo somos nós e nossos pensamentos de dor ou de morte
e temos que conviver com os dragões e demônios
que são nossos companheiros de jornada ainda que
pesquemos de nosso peito o gelo do desconforto que nos envolve
se há nuvens ou se há luares
nossos lagos estão por demais poluídos para os refletir
e seguimos o lugar comum como se o alto da montanha
fosse o paraíso perdido sem perceber que ele é o cume do abismo
esquecidos do vale que nos alimenta de orvalho e pólen
ah quanto seríamos menos do que idiotas dos lugares comuns
se tivéssemos um poeta a nos estender a mão na descida da montanha
ah como seríamos menos do que infelizes dos picos e vales
se tivéssemos um filósofo a nos olhar com desdém nos tropeços do caminho
ah sim
sim e sim e não e não e vamos para essa desmemoriada depressão
como se não houvesse outros perigos que não os que encontramos
quando com nós mesmos somos o que não queríamos ser
18.6.2018
(Ilustração: George Grosz)
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