29 de jun. de 2018

picos e vales






picos e vales assim a vida nos ensina e nos leva

prazer e dor

riso e lágrimas

noite e dia

as antíteses lugares comuns de todo e qualquer vivente

tantas são elas que lamentavelmente as adotamos e adoramos

picos de prazer

vales de sombras

lugares

lugares comuns de nossas vidas tão mexidas e tão inúteis

aprende-se e reaprende-se e repetem-se os opostos a nos iludir

não sabemos de nada e a nada nos leva o saber da onda que vai e vem

não nos diz a vida que os picos podem ser congelantes

e os vales

os vales podem ser muito mais que aconchegantes

não sabemos por que nos afligimos nos vales e nos alegramos nas alturas

quando temos nos vales a sombra e as águas

e nada temos nos picos além de prováveis horizontes

sonhamos com o inferno dentro de céus de mentiras

e temos pesadelos no céu com infernos que nos atormentam

metáforas inúteis metáforas de cacos de vida

a vida o ser o coração tudo despedaçado não importa onde estejamos

quer seja o vento no rosto quer seja a corrente nos calcanhares

o abismo não fica aos nossos pés olhando nossos queixumes

o abismo somos nós e nossos pensamentos de dor ou de morte

e temos que conviver com os dragões e demônios

que são nossos companheiros de jornada ainda que

pesquemos de nosso peito o gelo do desconforto que nos envolve

se há nuvens ou se há luares

nossos lagos estão por demais poluídos para os refletir

e seguimos o lugar comum como se o alto da montanha

fosse o paraíso perdido sem perceber que ele é o cume do abismo

esquecidos do vale que nos alimenta de orvalho e pólen

ah quanto seríamos menos do que idiotas dos lugares comuns

se tivéssemos um poeta a nos estender a mão na descida da montanha

ah como seríamos menos do que infelizes dos picos e vales

se tivéssemos um filósofo a nos olhar com desdém nos tropeços do caminho

ah sim

sim e sim e não e não e vamos para essa desmemoriada depressão

como se não houvesse outros perigos que não os que encontramos

quando com nós mesmos somos o que não queríamos ser



18.6.2018

(Ilustração: George Grosz)



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