3 de ago. de 2018

Bife e poesia









Engraçado como certas palavras e expressões entram e saem de moda. Ou, então, vão-se substituindo para expressar a mesma ideia ou a mesma emoção. Cáspite! (do tempo de nossos avós, ou mais) foi-se virando em coisas como Puxa! – Nossa Senhora! – Nossa! – Caramba! – Caraca! – e por aí vai. Para onde, ninguém sabe. 

No meu tempo e no tempo de muita gente que está lendo isso agora, quem não usou a expressão “uma brasa, mora”? Parece até que moçada prafrentex (epa!) que falava isso é do século retrasado, mas vários deles ainda estão por aí, cantando e até fazendo sucesso. Ok, com o pessoal antigo, da “velha guarda”, que se peja em usar os termos de poucos (poucos?) anos atrás, para não passar carão. 

Hoje, a molecada usa tantos termos estranhos, que se divulgam pela internet, que nem vale a pena citá-los, porque, como o próprio meio que utilizam para espalhá-los, mudam a cada instante. Como modelo de telefone celular. Também não vou ficar fazendo um inventário de termos desusados, porque são tantos e tão variados quanto é inconstante e variada essa nossa língua portuguesa, falada aqui, lá na velha terrinha e em outras terrinhas africanas e asiáticas, com sotaques e expressões também muito diferentes e, às vezes, estranhas. 

Quero misturar, sob esse tema, coisas tão diversas quanto literatura e poesia e gastronomia. Ou seja, quero falar de um prato cujo nome – extremamente popular há alguns anos (quantos? nem sei!) – hoje ninguém mais se lembra: o bife a cavalo. 

E onde entra a poesia? Ah, sim, a poesia. Ela entra através da pena do poeta José Paulo Paes, que conhecia mais como (ótimo) tradutor, sem imaginar que tivesse uma vasta obra poética, variada e muito, muito interessante, para dizer o mínimo. Tem o nosso poeta até mesmo uma boa quantidade de poemas voltados para o público infantil, com muita verve, irreverência e ironia, difíceis de encontrar em poemas voltados para crianças. 

Então... estava eu procurando os poemas de Zé Paulo (acho, até, que posso chamá-lo assim, tão íntimo fiquei de sua poesia) espalhados pela internet, quando dei de cara com este poema: 



O bife 



José Paulo Paes 



Onde é 

que está 

meu bife? 

Fugiu do açougue 

sumiu da cozinha 

no prato não acho 

quem sabe me diga: 

será que meu bife 

está noutra barriga? 

Meu bife 

era 

a cavalo: 

um ovo estalado 

com batata frita. 

Porém me lembrei: 

sendo bife a cavalo 

fugiu no galope 

não vou mais achá-lo. 



Bife a cavalo! Todo buteco que se prezasse servia um bom bife a cavalo. O engraçado é que – e isso sempre me vinha à mente, quando, diante de meus alunos, nas aulas de português, usava o termo “bife a cavalo” para explicar por que não podia haver crase (“cavalo” – palavra masculina, não admite artigo “a”, para se contrair com a preposição “a” – essa mania de dar lição de gramática ainda me persegue, ô coisa!) – repito: o engraçado é que, na verdade, o que vem mesmo a cavalo é o ovo! Ah, sim: é preciso explicar que o bife a cavalo se constitui de um simplório bife de carne bovina (pode ser qualquer corte, mas o preferido era o contrafilé) com um ovo em cima! Não seria o caso de chama-lo “ovo a cavalo”? Acho que não: não soa bem, além do que, bife a cavalo é bem mais charmoso, dá mais a impressão de algo que nos vai saciar a fome bem rapidinho, ainda que o cavalo hoje não seja mais o meio de transporte mais usado nem, claro, o mais rápido (o tempora! o mores!). 

Conta-se que os mais engraçadinhos ou, talvez, os mais famintos, sempre pediam ao garçom que o bife a cavalo viesse com umas batatinhas fritas no estribo e arroz ou uma saladinha na garupa. O que eu quero registrar, no entanto, é que esse prosaico prato da culinária popular brasileira desapareceu do cardápio de todos os bares e restaurantes. Não sei se o brasileiro deixou de comer bife com ovo frito, ou se apenas o nome – bife a cavalo – deixou de fazer parte de seu vocabulário. 

De qualquer forma, com a poesia de José Paulo Paes, resgato uma expressão e, quem sabe, também o prato: que nossos bares e restaurantes populares e, por que não?, também os mais sofisticados – só espero que não gourmetizado e com o preço inflacionado – passem de novo a servir esse nosso antigo e famigerado bife a cavalo. Que pedir bife com ovo frito é o ó (se é que ainda se pode usar essa expressão). 



3.8.2018




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