que me vejo no direito de dizer agora com todas as letras
não acredito no amor
esse amor romântico capaz de todos os sacrifícios pelo ser amado
esse amor cantado em prosa e verso por velhos e não tão velhos poetas
enaltecido por todas as bocas sedentas de qualquer coisa que cheire a sentimentalismo
esse amor de possessões ciumentas em torno de um corpo que se quer livre
poderoso elixir a mudar o rumo de uma vida e os caminhos do mundo
estranho o suficiente para que todos digam não conseguirem compreendê-lo
esse amor meus caros amigos e caras amigas nunca existiu de verdade
criação vulgar de quem prega que o homem e a mulher nasceram metades incompletas
a se juntarem numa espécie de limbo sacrossanto de sentimento e abstração
para formarem uma unicidade absurda por toda uma vida e até mesmo pela eternidade
como se ambos fossem algo assim como um organismo unicelular sem vontade
sem desejo e sem olhos que não sejam um para o outro para sempre e sempre
havendo a vida dado a todos e todas tantas outras possibilidades de posse e prazer
esse amor bruto e estúpido constrói apenas muros de lamentações sem fim
e sofrimentos inúteis de ciúmes e mortes e anseios nunca realizáveis
não acredito nesse amor
não posso acreditar nesse amor
não é possível acreditar nesse amor
quando sabemos que somos ou devíamos ser animais racionais
morte pois ao amor romântico e às suas celebrações insanas para que a humanidade
assuma enfim momentos de paz e de prazer legítimo sem amarras e alianças
sem obrigações eternas e eternas promessas para que os rebentos que nasçam
de uma nova ordem de liberdade também sejam livres de pais e mães e mestres
e conduzam suas vidas para seus próprios desígnios sem peias e sem travas
21.1.2019
(Ilustração: escultura de Franz Xaver Bergmann - 1861–1936)
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