26 de fev. de 2019

tenho escrito tantos poemas de amor





que me vejo no direito de dizer agora com todas as letras

não acredito no amor

esse amor romântico capaz de todos os sacrifícios pelo ser amado

esse amor cantado em prosa e verso por velhos e não tão velhos poetas

enaltecido por todas as bocas sedentas de qualquer coisa que cheire a sentimentalismo

esse amor de possessões ciumentas em torno de um corpo que se quer livre

poderoso elixir a mudar o rumo de uma vida e os caminhos do mundo

estranho o suficiente para que todos digam não conseguirem compreendê-lo

esse amor meus caros amigos e caras amigas nunca existiu de verdade

criação vulgar de quem prega que o homem e a mulher nasceram metades incompletas

a se juntarem numa espécie de limbo sacrossanto de sentimento e abstração

para formarem uma unicidade absurda por toda uma vida e até mesmo pela eternidade

como se ambos fossem algo assim como um organismo unicelular sem vontade

sem desejo e sem olhos que não sejam um para o outro para sempre e sempre

havendo a vida dado a todos e todas tantas outras possibilidades de posse e prazer

esse amor bruto e estúpido constrói apenas muros de lamentações sem fim

e sofrimentos inúteis de ciúmes e mortes e anseios nunca realizáveis

não acredito nesse amor

não posso acreditar nesse amor

não é possível acreditar nesse amor

quando sabemos que somos ou devíamos ser animais racionais

morte pois ao amor romântico e às suas celebrações insanas para que a humanidade

assuma enfim momentos de paz e de prazer legítimo sem amarras e alianças

sem obrigações eternas e eternas promessas para que os rebentos que nasçam

de uma nova ordem de liberdade também sejam livres de pais e mães e mestres

e conduzam suas vidas para seus próprios desígnios sem peias e sem travas



21.1.2019


(Ilustração: escultura de Franz Xaver Bergmann - 1861–1936)

Nenhum comentário:

Postar um comentário