nada tenho a dizer ao mundo
e o mundo nada tem a dizer-me
mesmo assim escrevo poemas tortos
para a multidão de seres mortos
que povoam como lesmas todas as cidades
que se amontoam como baratas em todos os portos
em busca de nada como se fosse o nada
um prato de comida malcozida
porcamente servida à beira da estrada
para mendigos esfaimados que cruzam a terra
com seus passos trêfegos
saltitantes cães e seus labregos
a baixar a cerviz e a cortar cana
durante toda uma semana
por mais algumas horas de vida miserável
enquanto o patrão sentado em seu trono honorável
de barão que rosna e rumina bosta de cavalo
desata o nó da gravata para enforcar mais um desgraçado
é por isso que no meu cérebro qualquer estalo
de lucidez ou de loucura reflete sempre um sentimento profundo
de náusea e de repúdio e eu digo com todas as letras
que deixem comigo mesmo todas minhas as tretas
eu não busco nem rima nem solução nem me chamo raimundo
e quero mais que se lasque e que se foda todo esse mundo
7.12.2019
(Ilustração: escultura - a nau dos insensatos de Brant em Nurenberg)
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