9 de jun. de 2020

sentimento do mundo



nada tenho a dizer ao mundo

e o mundo nada tem a dizer-me

mesmo assim escrevo poemas tortos

para a multidão de seres mortos

que povoam como lesmas todas as cidades

que se amontoam como baratas em todos os portos

em busca de nada como se fosse o nada

um prato de comida malcozida

porcamente servida à beira da estrada

para mendigos esfaimados que cruzam a terra

com seus passos trêfegos

saltitantes cães e seus labregos

a baixar a cerviz e a cortar cana

durante toda uma semana

por mais algumas horas de vida miserável

enquanto o patrão sentado em seu trono honorável

de barão que rosna e rumina bosta de cavalo

desata o nó da gravata para enforcar mais um desgraçado

é por isso que no meu cérebro qualquer estalo

de lucidez ou de loucura reflete sempre um sentimento profundo

de náusea e de repúdio e eu digo com todas as letras

que deixem comigo mesmo todas minhas as tretas

eu não busco nem rima nem solução nem me chamo raimundo

e quero mais que se lasque e que se foda todo esse mundo 




7.12.2019

(Ilustração: escultura -  a nau dos insensatos de Brant em Nurenberg)

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