quando eu morrer [e isso é uma coisa que – garanto –
não gostaria que acontecesse] – não quero velório
nem flores nem lamentos nem que alguém algum dia
diga que de onde for que eu esteja estarei olhando
por quem quer que seja – porque não estarei em lugar
algum a não ser na memória de quem por acaso
se lembre de mim – também não desejo que joguem
meu corpo uma vala profunda e escura para gáudio
de vermes que não conheço: que vire cinzas - que vire
brisa – que vire nada [num lago ou rio ou canteiro de rosas]
e se quiserem elogiar-me e dizer o quanto fui isto ou aquilo
- esqueçam! – leiam minhas palavras [meu único legado
talvez inútil – talvez bobagens – talvez apenas delírios
de orgulho besta] – mas que elas prolonguem um pouco
mais uma existência – a minha – que vejo hoje e agora
quando não mais estou aí – também sem sentido embora
possa dizer que deixei sobre a terra um átimo de mim
nos genes de filhos e netos – mas ouça bem e me entenda:
não é isto o que você está lendo um testamento nem
a minha última vontade que devesse ser cumprida
- já que a importância que me dou fica restrita à importância
que me dou e tudo isso que aqui escrevi só tem realmente valor
dentro da arrogância de um arroubo de vontade que nem precisa
ser levada a sério – porque afinal de contas depois que eu
já estiver morto não me importam nem com o que de mim
tenha ficado nem o que de mim tenham todos já esquecido
10.1.2020
(Ilustração: Laura Knight - sundown-1947)
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