18 de jun. de 2020

soturno




que importa que floresçam nos pauis lírios perfumados

se meus sentidos estão todos trancados

e somente aos prazeres dos desertos voltados



solitário pelas estradas meu ser fraqueja

pelos espinhos e pelas pedras rasteja

sem encontrar nunca o que deseja



saiba a vida a que os passos tropeça

sofrer em silêncio numa escura peça

de um teatro amador que não impeça



o fracasso final das luzes apagadas

das palmas nunca pela noite acaloradas

ou mesmo um uivo de cadelas enxotadas



que importa que macerem flores cobertas de orvalho

se o perfume delas resulte apenas no talho

que abre o peito ao coração como rebotalho



de antigas promessas não cumpridas jamais

os ex-votos contados e recontados pelos anais

transformados em cinzas como velhos jornais



que vá a vida a vaguear pelos pauis

não há mais lírios nem horizontes azuis

apenas o lamento na noite dos meus tristes ais



18.4.2020 


(Ilustração: Marianne von Werefkin -1860–1938)

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