que importa que floresçam nos pauis lírios perfumados
se meus sentidos estão todos trancados
e somente aos prazeres dos desertos voltados
solitário pelas estradas meu ser fraqueja
pelos espinhos e pelas pedras rasteja
sem encontrar nunca o que deseja
saiba a vida a que os passos tropeça
sofrer em silêncio numa escura peça
de um teatro amador que não impeça
o fracasso final das luzes apagadas
das palmas nunca pela noite acaloradas
ou mesmo um uivo de cadelas enxotadas
que importa que macerem flores cobertas de orvalho
se o perfume delas resulte apenas no talho
que abre o peito ao coração como rebotalho
de antigas promessas não cumpridas jamais
os ex-votos contados e recontados pelos anais
transformados em cinzas como velhos jornais
que vá a vida a vaguear pelos pauis
não há mais lírios nem horizontes azuis
apenas o lamento na noite dos meus tristes ais
18.4.2020
(Ilustração: Marianne von Werefkin -1860–1938)
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