15 de mai. de 2021

último estertor

 




perdidos no céu de chumbo

da mediocridade

marchamos no charco do sangue sujo

sujas as mãos

sujas as mentes

sujo o sexo



inseguros à luz da manhã de maio

no meio do mundo imundo

de pocilgas onde chafurdam generais

surdos ao som dos trovões no meio da tempestade

não há água de chuva ácida que lave

o sopro profundo dos pulmões vazios



sob a noite de pesadelos

são inúteis as canções guerreiras

os ventos que sopram queimam as bochechas

o ar pesado arromba os cérebros



não há na terra uma só trevo

não há nos rios uma só guelra

não há nos oceanos uma só água-viva



matamo-nos ao pé da couve envenenada

por um talo engasgado na garganta do tenor



há distorcidos arpejos de guitarras

mas ninguém tem ouvidos para ouvir



uivam os cães para seus donos

e a lua explode raios de beleza e morte



sai a serpente de sua toca

rastejam humanos em busca da luz



o charco podre come as solas dos pés de chumbo

e os oceanos escoam areias em ampulhetas quebradas



ouve o som

ouve o som dos passos do passado

ouve

ouve o grito que vem do passado

ouve

que o passado e seu grito serão teu último estertor




28.2.2021

(Ilustração: Aroldo Bonzagni)


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