20 de dez. de 2021

estio

 






espero teus beijos como a terra seca espera a chuva

na manhã de qualquer primavera cheia de espantos



o desejo bate na vidraça da janela e quebra as asas

se tu não vens para fazer jorrar de novo a seiva

nos meus braços ressequidos



não haverá prímulas e avencas nos meus trópicos

não haverá sementes no meu chão crestado

se os teus beijos não choverem húmus

que alimentem dos meus desejos a espera

e tragam o tempero exato para a minha flor exausta

colorir outra vez de vermelho

o cair da tarde desencantada dos teus mistérios



sou teu deserto a esperar gotas mágicas

ainda que amargas

para o tronco seco ao bico do pica-pau



que se abram asas para o meu desespero voar

para trás dos horizontes

cruzar o arco-íris

e deixar no fundo do lago

os ossos inúteis dos corpos ressequidos



que se dispam de sonhos as tuas asas

e voem no silêncio dos ventos alísios

que chovam os teus beijos na pele arrepiada

a fazer renascer minhas esperanças imateriais

e declarar enfim que meu estio

findará no renascimento das águas do teu rio





25.4.2021

(Ilustração: Jindrich Styrsky - marriage, 1934)

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