16 de set. de 2022

pátria enlutada

 





há um espanto engasgado na garganta dos mortos

enquanto as pás dos coveiros ressoam malícias inconfessáveis



no alto dos prédios a lua cheia esplende nos olhos do homicida

para o assassino talvez haja esperança a brotar do fundo das covas

quando os urubus interrompem seu voo suicida

para lamber com línguas ásperas os ossos esbranquiçados



as hienas gargalham de fome à luz da lua

as folhas das árvores cobrem de cobre o chão ensanguentado

e os santos do pau oco assombram o mundo mostrando as vísceras

de onde escorrem ouro em diarreias invertidas



a boca dos políticos cospe a merda dos defuntos

no bailado das cadeiras de ministros encapuzados

a pedir mais frutos pendurados nas pontas dos fuzis



o baile das ilhas fiscais tem valsas para todas as tribos

enquanto as torres do poder apodrecem por dentro



o vírus passeia

pelas praias e areias das costas quentes

do longo litoral do país que ensombreceu seu futuro

o vírus passeia

pela boca sem dentes de favelados executados pela polícia

o vírus passeia

pela boca emoldurada de risadas etéreas do filho do banqueiro



o anúncio de capim fresco para o gado

transformou a noite de lua cheia

na luz funérea de um circo evangélico



a pátria jaz sob a tumba de milhares de cadáveres

gemendo o passado verde e sonhando um futuro azul

mas a foice bateu o martelo

- para que haja uma semente no fundo da terra

que se enforquem todos os filhos nas tripas do pai




7.5.2021


(Ilustração: Coppo Di Marcovaldo - The Hell)

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