6 de jan. de 2023

preguiça

 





amargamente refiro-me àquele velho cansaço da vida

de que muitos falam

quando a famigerada e desgastada metáfora da estrada da vida

torna-se cada dia mais curta

mais curta

mais

e o horizonte à frente – outra bobagem que sempre usamos

para nos referir ao futuro – parece mais opaco aos olhos esmaecidos

de ver o que não queríamos

de enxergar o que poucos enxergam

mesmo no meio da neblina do tempo

– ai! quão difícil escapar do lugar-comum! –

o cansaço da vida? – ora o sinto – ora o pressinto

sofrível o sofrimento que causa

já que a ninguém mais comove esse falso truísmo

na boca dos velhos caminheiros

mas minha amargura não dura

mais do que a secura de minha garganta e a tosse consequente para engolir

essa bobagem de cansaço da vida

essa desculpa de suicidas – e eu tive há muitos e muitos anos (e choro

e lamento todos os dias por isso) uma irmã querida que se matou

(fato de que não falo nem comigo mesmo – porque dói e dói muito)

e abro agora essa exceção com a promessa

de que nunca mais vou tocar nesse assunto

para dizer que ela – minha amada irmã – se matou

não por cansaço da vida mas por razões absurdas que ela em si encontrou



quero finalizar portanto

este arremedo de poema

afirmando (de forma arrogante e peremptória) que

nem para desculpas de suicidas ele – o cansaço da vida – serve

por isso vou dar-lhe um bom chute para longe

para bem longe

e dizer simplesmente que a verdade mais verdadeira dentro de mim

é que estou apenas curtindo neste momento

uma puta de uma preguiça

uma puta de uma

pregui

pre

(ou talvez apenas uma puta)





28.3.2022

(Ilustração: Johannes Moreelse - Heraclitus)




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