amargamente refiro-me àquele velho cansaço da vida
de que muitos falam
quando a famigerada e desgastada metáfora da estrada da vida
torna-se cada dia mais curta
mais curta
mais
e o horizonte à frente – outra bobagem que sempre usamos
para nos referir ao futuro – parece mais opaco aos olhos esmaecidos
de ver o que não queríamos
de enxergar o que poucos enxergam
mesmo no meio da neblina do tempo
– ai! quão difícil escapar do lugar-comum! –
o cansaço da vida? – ora o sinto – ora o pressinto
sofrível o sofrimento que causa
já que a ninguém mais comove esse falso truísmo
na boca dos velhos caminheiros
mas minha amargura não dura
mais do que a secura de minha garganta e a tosse consequente para engolir
essa bobagem de cansaço da vida
essa desculpa de suicidas – e eu tive há muitos e muitos anos (e choro
e lamento todos os dias por isso) uma irmã querida que se matou
(fato de que não falo nem comigo mesmo – porque dói e dói muito)
e abro agora essa exceção com a promessa
de que nunca mais vou tocar nesse assunto
para dizer que ela – minha amada irmã – se matou
não por cansaço da vida mas por razões absurdas que ela em si encontrou
quero finalizar portanto
este arremedo de poema
afirmando (de forma arrogante e peremptória) que
nem para desculpas de suicidas ele – o cansaço da vida – serve
por isso vou dar-lhe um bom chute para longe
para bem longe
e dizer simplesmente que a verdade mais verdadeira dentro de mim
é que estou apenas curtindo neste momento
uma puta de uma preguiça
uma puta de uma
pregui
pre
(ou talvez apenas uma puta)
28.3.2022
(Ilustração: Johannes Moreelse - Heraclitus)
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