22 de mai. de 2023

sonhos de Maquiavel

 





sonhei com Nicolau Maquiavel

(era ele além de escritor e filósofo

um renomado escultor da velha Itália)

levou-me a seu ateliê para contemplar

como esculpia sua nova obra – um espanto –

disse-me ele – para futuras gerações



entre tantas peças e mesas e manivelas

bustos mal-acabados de antigos poetas

pedaços de príncipes e reis destronados

e toda uma tralha estranha e suja

lá no canto do cômodo um monte de barro

um monte de barro feio e fétido



do barro – disse-me ele – faço a obra-prima

não de mármore nem de pedra dura

do barro mole que se amolda às mãos

e fez-me pegar e sentir a massa obscura

que cheirava mais que mil chiqueiros

putrefata massa amorfa e fedorenta



– fede que nem chiqueiro – meu príncipe

reclamei com maquiavel tapando o nariz

– fede que nem peido de demônio – disse

o escritor dublê de escultor – e riu-se

gargalhou mesmo do meu espanto

mexendo um pouco no barro nojento



– se obra-prima vai ser – eu comentei –

só se for para as pocilgas reais enfeitar

pois qual rei ou qual potentado

irá com tal monte de merda de capeta

seus salões atapetados enfeitar

e os narizes da nobreza desafiar



(nem mesmo aquele escultor que apresentou

como obra-prima – um penico – tanto ousou)



– de merda de porco será meu príncipe

a obra-prima de meu engenho e arte

e não se preocupe meu amigo com o cheiro

misturas secretas para a liga eu tenho

tornarão cheiroso e formoso o capitão

para muitos que nele se espelharão



dito isso mexia e remexia a merda de porco

as mãos hábeis do escultor maquiavel

acrescentando líquidos e sortilégios

que sua mente febril conhecia

e pelo aposento cada vez mais rescendia

o cheiro do monte de merda de porco



(enojado daquilo tudo até tentei acordar

mas ao cabo a curiosidade me fez continuar)



já a massa fervilhante e fedorenta tomava

pouco a pouco os ares e as formas humanas

e maquiavel maravilhado com a própria obra

dizia coisas inteligíveis e citava antigos esconjuros

e eu ali a contemplar o nascimento – não da pedra

mas de um monte de merda – de um novo príncipe



sim meus amigos e súditos da velha Itália

dizia-me maquiavel que sua obra-prima

não iria precisar da martelada de Michelangelo

assim que estivesse pronto para o mundo

para o mundo sairia andando como gente

por artes e artimanhas de antigos feitiços



e de fato feio e duro e fedorento lá estava

o produto final das mãos de Maquiavel

um sujeito estranho e mal fardado

nada tinha de sua época – o século XVI

embora me parecesse à primeira vista

já tê-lo visto em sonho ou pesadelo



– meu caro escultor e também filósofo

que sujeito é esse que apareceu do barro

(a pergunta que não se calava eu fiz)

mas maquiavel com sua cara de Nicolau

riu de mim e respondeu – não é herói

de meu tempo – meu caro – mas do seu



– que herói é esse que tem cara de vilão

(meu espanto lhe arrancou gargalhada)

– vilão e além de tudo um sujeito ignaro

que vai dar muito trabalho no seu tempo

e você meu caro poeta que se espanta

nem vai reconhecê-lo por seu faro



realmente já não fedia tanto o sujeito

depois de todo o jeitoso preparo

e o pior é que me pareciam familiares

o rosto a pose o jeito bem militares

então acordei e percebi num estalo

– da bosta criara Maquiavel o Bolsonaro





12.2.2023

(Ilustração: Romero Brito)

 

 

 

 

 

 

 

 

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