sonhei com Nicolau Maquiavel
(era ele além de escritor e filósofo
um renomado escultor da velha Itália)
levou-me a seu ateliê para contemplar
como esculpia sua nova obra – um espanto –
disse-me ele – para futuras gerações
entre tantas peças e mesas e manivelas
bustos mal-acabados de antigos poetas
pedaços de príncipes e reis destronados
e toda uma tralha estranha e suja
lá no canto do cômodo um monte de barro
um monte de barro feio e fétido
do barro – disse-me ele – faço a obra-prima
não de mármore nem de pedra dura
do barro mole que se amolda às mãos
e fez-me pegar e sentir a massa obscura
que cheirava mais que mil chiqueiros
putrefata massa amorfa e fedorenta
– fede que nem chiqueiro – meu príncipe
reclamei com maquiavel tapando o nariz
– fede que nem peido de demônio – disse
o escritor dublê de escultor – e riu-se
gargalhou mesmo do meu espanto
mexendo um pouco no barro nojento
– se obra-prima vai ser – eu comentei –
só se for para as pocilgas reais enfeitar
pois qual rei ou qual potentado
irá com tal monte de merda de capeta
seus salões atapetados enfeitar
e os narizes da nobreza desafiar
(nem mesmo aquele escultor que apresentou
como obra-prima – um penico – tanto ousou)
– de merda de porco será meu príncipe
a obra-prima de meu engenho e arte
e não se preocupe meu amigo com o cheiro
misturas secretas para a liga eu tenho
tornarão cheiroso e formoso o capitão
para muitos que nele se espelharão
dito isso mexia e remexia a merda de porco
as mãos hábeis do escultor maquiavel
acrescentando líquidos e sortilégios
que sua mente febril conhecia
e pelo aposento cada vez mais rescendia
o cheiro do monte de merda de porco
(enojado daquilo tudo até tentei acordar
mas ao cabo a curiosidade me fez continuar)
já a massa fervilhante e fedorenta tomava
pouco a pouco os ares e as formas humanas
e maquiavel maravilhado com a própria obra
dizia coisas inteligíveis e citava antigos esconjuros
e eu ali a contemplar o nascimento – não da pedra
mas de um monte de merda – de um novo príncipe
sim meus amigos e súditos da velha Itália
dizia-me maquiavel que sua obra-prima
não iria precisar da martelada de Michelangelo
assim que estivesse pronto para o mundo
para o mundo sairia andando como gente
por artes e artimanhas de antigos feitiços
e de fato feio e duro e fedorento lá estava
o produto final das mãos de Maquiavel
um sujeito estranho e mal fardado
nada tinha de sua época – o século XVI
embora me parecesse à primeira vista
já tê-lo visto em sonho ou pesadelo
– meu caro escultor e também filósofo
que sujeito é esse que apareceu do barro
(a pergunta que não se calava eu fiz)
mas maquiavel com sua cara de Nicolau
riu de mim e respondeu – não é herói
de meu tempo – meu caro – mas do seu
– que herói é esse que tem cara de vilão
(meu espanto lhe arrancou gargalhada)
– vilão e além de tudo um sujeito ignaro
que vai dar muito trabalho no seu tempo
e você meu caro poeta que se espanta
nem vai reconhecê-lo por seu faro
realmente já não fedia tanto o sujeito
depois de todo o jeitoso preparo
e o pior é que me pareciam familiares
o rosto a pose o jeito bem militares
então acordei e percebi num estalo
– da bosta criara Maquiavel o Bolsonaro
12.2.2023
(Ilustração: Romero Brito)
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