onde o destino me pregou todas as peças que sempre quis
nenhuma delas com sucesso de público ou de crítica
vistas apenas por mim e uns poucos espectadores
que nunca aplaudiram ao final do espetáculo
sempre interrompido antes do segundo ato
diante da mediocridade das dores de amores ali representadas
mesmo quando me vestia de palhaço
era sempre o clown triste e sem qualquer graça
gargalhando para mim mesmo diante da plateia vazia
quantas vezes chorei lágrimas de alvaiade
sozinho no meu camarim
perdido o tempo da comédia
não chegando ainda o tempo da tragédia
quando as luzes da ribalta acendiam
dançava comigo mesmo o tango angustiado
da minha solidão mais profunda
mesmo quando insistia com algum pretenso amigo
que me fosse ver no palco
[mesmo que se eximisse de me aplaudir – não me importaria]
recebia apenas a promessa vazia e nunca cumprida
com um vago sorriso de desdém nos lábios
que diziam uma coisa
enquanto lia nos olhos o seu desprezo e meu vexame costumeiro
enquanto ruía em mim todo o urdume
e o palco desmanchava-se roído pelos cupins
hoje o que contemplo dentro de mim
esse teatro em ruínas desabado sobre os meus patéticos espetáculos
descubro enfim que a vida só reserva o som e a fúria do talento
para uns poucos que vendem corajosamente a sua própria vida
para iluminar a vida de centenas de personagens
que só agem e se movimentam e sentem e sofrem
ali naquele palco absurdo
à frente de plateias atentas e espantadas
com o fato de que aquele ser que ali está – ator ou atriz –
arruinou dentro de si o seu próprio teatro da vida
para levá-los – aos espectadores – ao sonho impossível
de entender a si mesmos ao aplaudir suas apresentações ao final
de espetáculos escritos pela mão inelutável da morte
a morte que transforma em ruínas dentro de nós o teatro de nossas vidas
antes do ato final
16.3.2022
(Ilustração: Baile de máscaras - Verdi)
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