28 de mai. de 2023

tatuagem

 




no angu que borbulhava

na panela de ferro redonda

sobre a trempe do fogão a lenha

havia o calor mais quente

do sorriso de minha mãe

e quando no prato

o creme amarelo se misturava

ao branco do arroz

e ao moreno do feijão

a pequena coxa do frango

tecia na minha boca urdumes de beijos

que outrora num tempo sonhado

seriam de novo o alimento da vida

mas o crepitar da madeira

cozinhando o fubá de moinho d’água

deixou para sempre na minha memória

lembranças de mãe

que às horas amargas adoça como a sombra

de um beijo nos lábios da mulher amada

e essa lembrança me consome dia e noite

como o suspiro de horas mortas

que arrepia o desejo

e marca no meu rosto

a tatuagem de uma saudade

de angu cozido na trempe de um velho fogão a lenha



20.6.2021

(Ilustração: minha mãe e eu aos 17 anos)

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