a cidade de trevas dentro da cidade de luzes
das tumbas abertas brotam miasmas
na noite da cidade negra surgem cruzes
e dançam nas ruas estranhos fantasmas
o diabo torceu o rabo em forma de tridente
e o passo fúnebre de tristes coveiros
pousou nos ossos e nas caveiras sem dentes
cantando osanas e fugindo dos desordeiros
descem sobre o lodo do rio podre
pirogas velhas comandadas por anhangás
para lançar maldições às casas de adobe
onde o branco sangra as veias da paz
das antigas guerras entre tribos canibais
são traços eternos e etéreos as trevas
que a cidade negra cobre com jornais
no compasso das procissões medievas
cidade negra onde troveja e os raios
partem as árvores que servem de calabouços
para que em todos os dias de todos os maios
mostrem vazios os operários os seus bolsos
mata-se a fome de quem nega a fé
com restos das mesas dos ricos
e o pobre caminha pelas ruas a pé
quase nu com seus trajos impudicos
pululam na cidade negra os desencantos
que a luz da cidade que brilha por cima
não espanta nem com muitos cantos
de missas horrendas que Anchieta anima
sonatas acompanham as solenes danças
de ninfas pálidas nos fétidos palacetes
balançam para cá e para lá suas panças
alcaides que juram crença aos cassetetes
os porcos que pastavam chá onde havia
um fundo de vale sujo que agora brilha
cheiram cocaína na noite escura e vazia
acendem com notas de mil sua cigarrilha
não me perco em seus becos ó cidade
que és negra como o fundo do universo
sei que tua lama a tudo e a todos invade
menos as rimas desse meu torto verso
4.9.2022
(Ilustração: Tito Fornasiero - Metropoli - São Paulo)
Gostei muito, Isaías. Parabéns!
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