voo ao vento o violão
na noite o vinho tinto
claro que estou recolhido
ao espaço mínimo de meu quarto
o concerto para violão de
francisco mignone
na tevê – no último volume
lá fora o calor da primavera
que mal começa e já parece verão
curto com os olhos atentos
as mãos do violonista às cordas do violão
como se tocasse – ele o concertista –
as cortas rotas de meu velho coração
ah! as velhas metáforas do sentimentalismo
o coração como o pulsar absurdo de todo meu ser
desce sobre mim a névoa dos dias idos e repetidos
a estranha sensação de estar só no meio da multidão
quando não há em meu quarto mínimo
senão eu comigo mesmo
eu – multidão de vidas antigas
e talvez nem sempre devidamente revividas
eu – o poeta solipsista em sua / minha rede
a ruminar versos e reversos da vida
enquanto ainda há tinta em sua / minha caneta esferográfica
o mundo lá fora a regurgitar
pólvora e pó de penugens de pássaros
o poeta – eu? – a lembrar – ou não – falsos momentos
à luz do luar
sempre foi assim
a solidão
o vinho
e agora o violão
o violão em concerto para o seu / meu desconserto do mundo
os saltos de memórias
os intervalos de novelas
os gritos de gol
a euforia de momentos de outrora no sempre agora
afora os estertores de úmidos lamentos
se sofro – ou não – os meus versos reversos
não revelam
e o concerto de violão chega ao fim
e o seu / meu poema estica-se pela folha
e como todos os meus – também do poeta? – tormentos
não terminam nunca
jamais
23.9.2023
(Ilustração: Shabby Chic - the guitar man)
Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, neste endereço de podcast:
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