5 de ago. de 2024

Não era ainda o tempo da solidão

 





Não era ainda o tempo da solidão

Quando caminhei pela tarde byroniana

À margem do Tamisa

Com todos os poetas Fernando Pessoa

No século dezesseis



Em meio ao fog da lua mal surgida

O fantasma de assassinos em série

Cheirava o ar procurando carne fresca



Não era ainda o tempo da solidão

E os poetas profetizavam spleens

Tocando de leve com seus pés de nuvem

As pedras roladas da margem do rio



Não era ainda o tempo da solidão

E a marcha dos pés descalços dos poetas

Multiplicava-se em ventos e velas

Sonhando felizes pela vastidão dos mares



Flanavam e falavam os poetas

Que havia mundos desconhecidos

No além-mar

Onde dormiam dragões de olhos esverdeados

E do poço profundo da ambição

Jorravam as águas de março que levavam na pororoca

De rios de sangue

Os encantos e desencantos da funda floresta tropical



Não era ainda o tempo da solidão

E a tarde londrina declinava sob pontes podres

A luz da lua flutuava agora sobre as águas

Onde boiaram as vísceras dos poetas mortos

E mortas estavam todas as esperanças

Devoradas pela fome dos deuses



Para iluminar a noite fria da faca do assassino

Não se acendia nenhuma lâmpada de Argand

- Era apenas uma noite byroniana sem qualquer amanhã

Pois não era ainda o tempo da solidão





2.6.2023



(Ilustração: Johannes Jelgershuis, em 1820: Livraria Pieter Meijer Warnars 
em Vijgendam Amsterdã iluminda por uma lâmpada de Argand)

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