14 de ago. de 2024

noite insone

 




nesta noite de fim de inverno

já quente o ar que prenuncia dias tépidos

possa talvez sonhar

sonhar acordado – bêbado de insônia –

com o silêncio dos canhões



não há corpos estraçalhados sob a minha cama

nem os noticiários da tevê ousaram mostrá-los

mas sei que eles estão lá

nos campos distantes – cobertos de entulho

ou sob os pianos mudos da nota dó coberta de pó

sei que estão a me espreitar

com seus olhos vazados voltados para o infinito

com seus risos escancarados à nossa indiferença



e a noite insone me consome

sinto mais que vejo ou sei que os passos de fantasmas

pisam tímidas flores de primavera

e penso apenas que tenho medo

muito medo dessa humanidade

que joga com a morte os dados viciados da vida



12.9.2023

(Ilustração: Francisco de Goya - shooting in military camp)

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