nesta noite de fim de inverno
já quente o ar que prenuncia dias tépidos
possa talvez sonhar
sonhar acordado – bêbado de insônia –
com o silêncio dos canhões
não há corpos estraçalhados sob a minha cama
nem os noticiários da tevê ousaram mostrá-los
mas sei que eles estão lá
nos campos distantes – cobertos de entulho
ou sob os pianos mudos da nota dó coberta de pó
sei que estão a me espreitar
com seus olhos vazados voltados para o infinito
com seus risos escancarados à nossa indiferença
e a noite insone me consome
sinto mais que vejo ou sei que os passos de fantasmas
pisam tímidas flores de primavera
e penso apenas que tenho medo
muito medo dessa humanidade
que joga com a morte os dados viciados da vida
12.9.2023
(Ilustração: Francisco de Goya - shooting in military camp)
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