(Carybé - cavalgada)
Redescubro Rosa, o Guimarães. Releio, calmo,
estórias e mais estórias. Rumino seus bois, pastoreio em suas veredas, ouço
como música o chocalho da cascavel, me curvo à sua picada, estremeço no miado
das onças, ah! as onças, fugidias, pinturas impressionistas no sertão do velho
Chico. Leio e releio cada invenção metalinguística, cada requebro vocabular,
cada quebrada sintática, enquanto lá embaixo trabalham minhas tripas no ato de
defecar. Sim, porque releio Rosa no trono, do qual nenhum homem escapa, aliás,
nenhum ser vivo escapa. Comer, digerir, cagar, nisso se resume a vida, pode-se
dizer. O caboclo diz descomer, para o inglório cagar. Rosa, não sei. Não se
descome Rosa, só se digere, o que faz diferir o que entra pela boca do que
entra pelos olhos: o primeiro vai aos intestinos e se transforma em fezes para
manter a vida; o segundo vai direto ao cérebro e se transforma em
possibilidades de encantamento para iluminar o pensamento. Porque o encanto,
mais do que encantado, está lá, inteirinho, em cada frase, em cada invenção, em
cada personagem bizarro ou não, os nhôs do Rosa. O encantamento sertanejo,
sertão vivo, vivido, andado e palmilhado com diplomacia e elegância de
analista. Nada se lhe escapa, enquanto tudo se lhe entrega em mistério, em
música, em sombra e luz de veredas, em pata de cavalo ou chifre de boi. Rosa
rasga o verbo e desentranha o sertanejo, o boiadeiro, usos e costumes singelos
em metáforas de beletrismo, mas não o beletrismo de academia, mas aquele do
linguajar rústico, de nonadas recheado, pleno de angústia e sarcasmo, mesmo
diante da desgraça. Cago-me em Rosa, intestinos soltos, a mente livre, o
encanto suspendido em silêncio, no único momento e lugar em que estou só,
tremendamente só comigo mesmo. E Rosa é a companhia silenciosa, ruminante, um
boi na privada, na vida privada de sonho.
7.6.2006
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