(Dolores Duran)
Há
uma discussão meio “sexo dos anjos” se letra de música é poesia. Primeiro,
precisaríamos determinar ou definir o que é poesia. Há um poema de um autor
espanhol, Gustavo Adolfo Bécquer, que diz assim:
¿QUÉ ES
POESÍA?
¿Qué es poesía? -- dices mientras clavas
en mi pupila tu
pupila azul.
¿Qué es poesía? ¿Y tú me lo preguntas?
Poesía... eres
tú.
Então,
embora POEMA e POESIA sejam usados correntemente como sinônimos, eu faço uma
distinção: POESIA é algo abstrato, que existe em qualquer coisa ou pessoa que
eu queira ou veja ou sinta: num por do sol, numa flor, numa mulher... Já o
POEMA é a concretização ideal da poesia na literatura, sua forma literária.
Assim, pode haver poema sem poesia, assim como pode haver poesia sem poema.
Não
nos esqueçamos que a língua portuguesa começou a se formar, a se distinguir do
galego, através das cantigas dos trovadores medievais, cantigas de amigo, de
amor ou de escárnio, que nada mais eram do que letras de música.
Assim,
uma letra de música, como qualquer poema, pode ou não conter poesia. E a
palavra, quando cantada, adquire uma nova dimensão, dada pela música, pela
melodia. Por isso, talvez, muitos relutem em dar à letra de música o status de
poesia. No entanto, são sim, as letras de música, poemas. E muitas vezes poemas
de grande beleza, seja por seu conteúdo, por sua mensagem, seja por suas
palavras bem arranjadas na estrutura de poema. Claro que a letra de música terá
uma “forma” ou “fôrma”, uma maneira peculiar, de ser escrita, assim como temos
formas ou fôrmas fixas, como o soneto, o rondó etc.
Quando
comecei a pensar numa letra de música que gostaria de ter escrito, entrei em
parafuso. Se for pensar somente na música popular brasileira, que começa a
tomar forma lá pelos finais do século XIX e começo do XX, eu lembrei que já
compilara talvez umas três ou quatro mil músicas de que gosto. E mais: cada canção tem lá um verso ou dois
que eu gostaria de ter escrito. Querem ver? Como esquecer Chiquinha Gonzaga?
“ò
lua branca, por quem és, tem dó de mim”
Ou
os versos de Catullo da Paixão Cearense:
“não
há, ó gente, ó não
luar
como esse do sertão...”
Noel
Rosa:
“quem
nasce lá na Vila...”
Ou
a valsa canção de Antenógenes Silva, com os versos de Hernâni Campos:
“tu
passaste a vida a sorrir,
Pisando
corações...”
São
tantos os autores, são tantos os poetas de nossa música popular, incluindo
letras de sambas, valsas, marchinhas, baiões, modinhas, bossa nova, jovem
guarda, tropicalismo etc. etc. etc., que ficaria aqui a noite toda lembrando
músicas e letras que eu gostaria de ter escrito. Assim, optei por uma letra de
uma cantora e compositora das melhores que tivemos, uma mulher que nos deixou
cedo, mas tem uma obra que eu considero das melhores de nossa música popular.
Refiro-me a Dolores Duran. E a letra que eu escolhi me toca profundamente, por
sua simplicidade e beleza:
A
NOITE DE MEU BEM
Hoje
eu quero a rosa mais linda que houver
quero
a primeira estrela que vier
para
enfeitar a noite do meu bem
Hoje
eu quero paz de criança dormindo
quero
o abandono de flores se abrindo
para
enfeitar a noite do meu bem
Quero
a alegria de um barco voltando
quero
ternura de mãos se encontrando
para
enfeitar a noite do meu bem
Hoje
eu quero o amor, o amor mais profundo
eu
quero toda beleza do mundo
para
enfeitar a noite do meu bem
Mas
como esse bem demorou a chegar
eu
já nem sei se terei no olhar
toda
ternura que eu quero lhe dar
29.9.2011
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