1 de mai. de 2015

LETRAS DE MÚSICAS



(Dolores Duran)


Há uma discussão meio “sexo dos anjos” se letra de música é poesia. Primeiro, precisaríamos determinar ou definir o que é poesia. Há um poema de um autor espanhol, Gustavo Adolfo Bécquer, que diz assim:


            ¿QUÉ ES POESÍA?


¿Qué es poesía? -- dices mientras clavas
  en mi pupila tu pupila azul.
¿Qué es poesía? ¿Y tú me lo preguntas?
  Poesía... eres tú.




Então, embora POEMA e POESIA sejam usados correntemente como sinônimos, eu faço uma distinção: POESIA é algo abstrato, que existe em qualquer coisa ou pessoa que eu queira ou veja ou sinta: num por do sol, numa flor, numa mulher... Já o POEMA é a concretização ideal da poesia na literatura, sua forma literária. Assim, pode haver poema sem poesia, assim como pode haver poesia sem poema.

Não nos esqueçamos que a língua portuguesa começou a se formar, a se distinguir do galego, através das cantigas dos trovadores medievais, cantigas de amigo, de amor ou de escárnio, que nada mais eram do que letras de música.

Assim, uma letra de música, como qualquer poema, pode ou não conter poesia. E a palavra, quando cantada, adquire uma nova dimensão, dada pela música, pela melodia. Por isso, talvez, muitos relutem em dar à letra de música o status de poesia. No entanto, são sim, as letras de música, poemas. E muitas vezes poemas de grande beleza, seja por seu conteúdo, por sua mensagem, seja por suas palavras bem arranjadas na estrutura de poema. Claro que a letra de música terá uma “forma” ou “fôrma”, uma maneira peculiar, de ser escrita, assim como temos formas ou fôrmas fixas, como o soneto, o rondó etc.

Quando comecei a pensar numa letra de música que gostaria de ter escrito, entrei em parafuso. Se for pensar somente na música popular brasileira, que começa a tomar forma lá pelos finais do século XIX e começo do XX, eu lembrei que já compilara talvez umas três ou quatro mil músicas de que gosto.  E mais: cada canção tem lá um verso ou dois que eu gostaria de ter escrito. Querem ver? Como esquecer Chiquinha Gonzaga?

“ò lua branca, por quem és, tem dó de mim”

Ou os versos de Catullo da Paixão Cearense:

“não há, ó gente, ó não
luar como esse do sertão...”

Noel Rosa:

“quem nasce lá na Vila...”

Ou a valsa canção de Antenógenes Silva, com os versos de Hernâni Campos:

“tu passaste a vida a sorrir,
Pisando corações...”

São tantos os autores, são tantos os poetas de nossa música popular, incluindo letras de sambas, valsas, marchinhas, baiões, modinhas, bossa nova, jovem guarda, tropicalismo etc. etc. etc., que ficaria aqui a noite toda lembrando músicas e letras que eu gostaria de ter escrito. Assim, optei por uma letra de uma cantora e compositora das melhores que tivemos, uma mulher que nos deixou cedo, mas tem uma obra que eu considero das melhores de nossa música popular. Refiro-me a Dolores Duran. E a letra que eu escolhi me toca profundamente, por sua simplicidade e beleza:

A NOITE DE MEU BEM

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
quero a primeira estrela que vier
para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo
quero o abandono de flores se abrindo
para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
quero ternura de mãos se encontrando
para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero o amor, o amor mais profundo
eu quero toda beleza do mundo
para enfeitar a noite do meu bem

Mas como esse bem demorou a chegar
eu já nem sei se terei no olhar
toda ternura que eu quero lhe dar


29.9.2011

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