22 de dez. de 2017

sobrevivente



(Giorgio de Chirico)




a pedra da mesa absorve o vinho tinto derramado

o linho branco do guardanapo guarda a mancha

de sangue os talheres e pratos da mesa reverberam

como as teclas desafinadas de um piano numa

sala vazia de concerto depois da função da noite

o sobrevivente da batalha que não ocorreu não

sopra o cano da arma nem a gira nos dedos para

colocá-la de volta ao coldre como os cowboys de

antigos filmes de faroeste e apenas estatela os

olhos para o cavalo vermelho que ele encilha na

sua imaginação e some na treva da noite como o

fantasma de um cemitério desolado no alto de

uma montanha povoada de abutres negros

o corpo fica sob a mesa e sobre ele pingam os

restos de vinho tinto de um amor para sempre

congelado num campo de mistério e desatino




13.6.2017

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