1 de dez. de 2017

velha mangueira




 (Paul Bond)




quando menino

gostava mesmo de subir em árvores e ficar lá em cima olhando a vida

a mangueira de frutos redondos e casca fina e cor de rosa

tão difícil seu tronco enorme seus galhos frondosos

a última fronteira

a última árvore do quintal a ser conquistada

a mais desejada

um dia a perna alcançou os galhos acima dos troncos

e os braços finos tiveram força para suspender o corpo franzino

e lá fui eu menino

a subir e subir a montanha verde até chegar ao acolhimento

alta

enorme

pujante

de seus galhos mais altos podia-se ver o mundo o meu mundo

acolhia meu corpo suas bifurcações caprichosas onde me sentava

e lá ficava por horas e horas contemplando o nada

foi no alto dessa mangueira de proporções tão grandes

que pendurei meus sonhos e meus anseios

no lugar de cada manga que colhia com minhas mãos

disputando com sabiás e bem-te-vis o privilégio

de colher os frutos mais tenros

meus sonhos e anseios ficaram lá

nem sabiás nem bem-te-vis ousaram bicá-los

no respeito mútuo do menino que um dia jurou

nunca mais usar o estilingue para matar passarinho

se os passarinhos não bicassem meus sonhos e anseios

pendurados na mangueira e apenas os levassem pelas estradas de minas

espalhando-os quem sabe por aí para nascerem e crescerem e frutificarem

como mangueiras à beira dos caminhos

os passarinhos tanto cumpriram o que prometeram

que meus sonhos e anseios

levados por seu canto e suas asas

espalharam-se pelas estradas do mundo como sementes ao vento

e foi por causa do vento e mais que o vento as tempestades

com que o menino não contava que havia no mundo

que esses sonhos tanto se espalharam que ficaram todos

pelos caminhos do mundo ao sol à chuva aos ventos aos raios

e os sonhos e anseios que deviam ter frutificado

pelas minhas estradas e pelos meus caminhos escolhidos

mal brotaram e logo se estiolaram cobertos todos pela erva daninha

sobrevivente crestada ao longo dos caminhos de meninos

que um dia penduraram sonhos em seus galhos a mangueira

não o podia imaginar o menino tão forte e tão pujante

não sobreviveria à sanha de machados de lâminas de ouro



30.10.2017




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