17 de jan. de 2018

História de passarinho: o Lino








Adoro passarinhos. Não gosto de gaiolas. Mas... esta é uma história de um passarinho de gaiola. 

Tudo começou numa noite mais ou menos fria e chuvosa. Minhas filhas estacionaram o carro na garagem e notaram, no canto do muro, um pequenino vulto incomum. Desceram e foram verificar. Era um filhote de canário belga, tiritando de frio e todo molhado. Cataram o bichinho, levaram-no para dentro, aqueceram-no e ligaram para a mãe, para saber o que podiam fazer. Devidamente instruídas, partiram para uma loja de produtos para pets (odeio essa palavra, mas assim como condescendi com as gaiolas, vou-me acostumando a deixar de ser tão radical) e compraram tudo quanto um passarinho precisa para sobreviver, mais... uma gaiola!

De onde veio o passarinho ninguém sabe nem imagina. A casa das filhas tem, próximos, dois conjuntos de prédios de apartamento e, do outro lado da rua, um outro conjunto de apartamentos que conserva uma boa área verde, com muitas árvores. Mais alguns sobrados ao redor. O tal canarinho, ainda implume, mal conseguiria voar. Como chegou até ali? Como escapou de predadores? De gatos? De cães? Enfim, lá estava o canarinho. Agora, devidamente cuidado. Embora, na gaiola. Ficou-me o consolo de que não é ave nativa e não sobreviveria solto. Enfim... lá estava ele, o Nino. Nome que lhe deram. E que depois mudou, como irão ver.

Tornou-se o Nino o encanto de toda a família. Inclusive do neto de seis anos, que não gostou ou não entendeu que era Nino e passou a chamá-lo de Lino. Não é Lino, é Nino. Não, tem que ser Lino, decretou ele. E ficou sendo Lino quem para Nino havia nascido, ou não.

Passarinho cresce rápido. Logo emplumou. Bonitinho. Amarelinho. Agora, faltava cantar. Passarinho canta por obra e graça da natureza. Não, não é bem assim: passarinho aprende a cantar. Com os pais. E o Lino, bem, vocês viram, é órfão. Passaria a vida mudo ou a piar apenas, como piam todos os pássaros? Não pode. Afinal, ele é belga, não de nascimento, mas de origem. Portanto, nobre. E lá foi a dona Ada, a mãe, sempre pressurosa e meio espírito de São Francisco, a pesquisar na internet. E descobriu como ensiná-lo a cantar.

Pegou o celular, baixou vídeos de cantos de canários e colocou ao lado da gaiola do Lino, que logo se interessou e passou a acompanhar o canto daquelas aves. Para alegria de todos, passou a emitir os primeiros sons, foi aperfeiçoando e, em poucas semanas, já cantava como um campeão, como passaram todos a chama-lo. Cantava e canta tão bem quanto os mestres que teve através dos bits e bytes da rede mundial. Passarinho antenado. Tão antenado, que viciou em assistir a vídeos pelo celular. Agora, não pode ver uma pessoa com um celular nas mãos, que começa a piar alto e a pular desesperadamente, dentro da gaiola, até que o coloquem à sua vista e ele possa acompanhar o vídeo. 

E mais: aprende coisas impensáveis, com o meu neto, que tem com ele uma relação de companheirismo ciumento. Brigam os dois na disputa do celular, pois o garoto acha que o Lino tem mais direito ao celular e a vídeos do que ele. Brigam mesmo, como dois garotos, com o humano reclamando muito com o passarinho, que ele tem de ter paciência, que não pode ser assim tão egoísta, senão vai para o castigo. Quando não estão discutindo e brigando pelo celular, o garoto ensina pequenos truques ao pássaro, como a pular e agradecer, baixando a cabeça, quando para de cantar e todos aplaudem. O que provoca explosões de gargalhadas em minhas filhas e traz divertimento para toda a família.

Enfim, neto e passarinho cantor que aprende truques e alegra a vida, a nossa vida, num momento de tão grandes dificuldades, são tudo quanto não esperávamos, mas constituem, na sua relação de amor e alegria, tudo quanto desejávamos. Mais um bicho, agora de plumas delicadas e amarelas, a dar um pouco mais de sentido à existência humana. Mesmo que, infelizmente, engaiolado. Hélas!






(Ilustrações: Lino; fotos do autor do blog)


P.S.:

Lino, o passarinho, nos alegrou por muitos anos, mas passou como passam os passarinhos, em 26.11.2023, para tristeza de toda a família.


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