17 de dez. de 2018

palimpsesto









raspo um pouco a sua memória e salta uma sombra

recuo contra o fantasma a minha curiosidade

sei que a vida está assim cheia de peles sobre peles

eu curto também meus mortos ou melhor as mortas

aquelas que me amaram e que eu amei e aquelas

que nem sempre amei mas marcaram meu couro

não briguem nossos fantasmas por um espaço curto

somos a soma de camadas nem sempre muito etéreas

sangramos quando não queremos e nem sempre a unha

arranha o fantasma procurado nem sempre toleramos

que sombras que deviam ter desaparecido nas sombras

ganhem um brilho de líquen ou de fogo-fátuo inesperados

e ocupem entre os lençóis o caminho da exasperação

deixemos os mortos a si mesmos entregues eu penso

e você me olha como se fosse eu o fantasma transparente

que tolda o seu susto e seu não convencimento e então

sabemos que os mortos estão ali são eles que não querem

nos deixar em paz entulhados os nós em nossos abismos

desatados os nós em nossa memória dominados os nós

que não queríamos desatar quando somos nós os únicos

a não vencer a batalha do esquecimento de um relógio

que não fabricamos e cujo pêndulo corta-nos a carne

na noite fria você se assusta com a sombra em meus olhos

eu me assombro com a coragem acesa em suas entranhas

e nos enrolamos em nossos fantasmas como cobras no ninho

chorando o destino que não nos revelou a tempo o abismo

caímos e somos não anjos nem demônios em busca de fogo

ou de paz apenas os amantes que chegaram muito tarde

tarde demais na vida um do outro e por isso agora sabemos

que entre sombras e fantasmas para nós o tempo acabou







12.11.2018


(Ilustração: Roberto Ferri)











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