bebe tua cachaça velho bebe
aí sentado no banco alto do
bar imundo bebe o cotovelo no
balcão os olhos baços procurando
talvez a última prostituta que
ainda queira fazer contigo o
último programa da noite
bebe teu veneno que te protege
dos teus fantasmas e do teu
passado ninguém se importa
mais contigo se tiveste sonhos
estão todos agora congelados
neste copo imundo por onde
passaram patas de barata durante
a noite passada bebe velho o teu
veneno que não é esta cachaça
vagabunda que desce queimando
tua garganta teu veneno velho
é a tua vida mal levada e mal
lavada pela chuva que cai ali
fora e leva de enxurrada um
monte de besteiras que carregas
nas rugas de teu rosto roto e o
rato que viste agora há pouco
passando pelo fundo do bar
não é fruto da tua imaginação
mas é sim fruto de teus sonhos
frustrados a calcinha roxa da
puta sem dentes que sorri para
ti do outro lado do balcão e tu
sabes que tua vida escoa pelo
bueiro como a chuva e teus
desejos têm a mesma consistência
da carne do rato que viste há
pouco não te iludas velho e
bebe do teu copo ainda pela
metade enquanto tua vida já
é o copo vazio da tua solidão
teus dias são tão vazios como
tuas noites e teus desencantos
têm o mesmo tom soturno das
nuvens que despejam o aguaceiro
lá fora e este bar imundo é teu
último refúgio o teu último
porto de uma metáfora já gasta
como o teu trajeto para a cama
imunda onde te aguardam as
tetas murchas e as carnes
nauseabundas de tua última
companheira para cumprires
nesse banquete de urubus os
gritos e gemidos derradeiros
dos teus sonhos congelados
7.11.2018
(Ilustração: Bernard Buffet - 1928-1999)
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