31 de jan. de 2019

lua nova


tempo de lua nova traz o tempo de caça silenciosa

não uivam molossos não miam gatos nem gatunos

correm à tripa forra os butins dos saqueadores

mesmo com o silêncio que se prolonga há apitos

avisos e códigos de luzes cruzando o espaço vazio

uma caçada silenciosa propicia o cicio mudo

entre a caça e os caçadores que a noite encobre

o tilintar de ferros torna-se apenas a ameaça

pelo trato não cumprido e todas as sombras se abraçam

e se beijam e dançam à luz de uma fogueira apagada

faz-se a paz e os tratados são assinados antes do dia

há silêncios que valem ouro e ouros que valem vidas

o tempo de lua nova prolonga o tempo das traições

há corpos em pontas de cordas e corpos em fornos

de crematórios sem perdas e danos os gatunos oferecem

a seus perseguidores o apanágio do perdão e todos

se beijam e dançam à luz da lanterna vermelha que pisca

e todos são felizes à luz que não brilha da lua nova

numa noite escura e sem estrelas na grande cidade





9.12.2018

(Ilustração: Artur Markowicz - dedication of the new moon -1933)






29 de jan. de 2019

ideologia






que importa se há flores murchas

ao longo do caminho que pisaste

o teu desígnio está acima das nuvens

e quanto ousaste não tem julgamento



assim caminhas impávido alheio a tudo

que não seja a tua estrela e o teu sol

besta medieval sedenta de sangue



pelas manhãs e pelas tardes arrebatas

peles que cobrem as pedras que pisas

e olhos que iluminam por breve tempo

cada vida que destróis aos teus passos



não importam quantos corpos vazios

preenchem teus castelos de ouro e prata

está acima de tudo a tua podre ideologia




1.11.2018


(Ilustração: John Bellany - Eymouth Disaster)




27 de jan. de 2019

humanidade






não há a mínima possibilidade

de que a humanidade

venha um dia dar certo

quanto mais perto

se chega de um ser humano

mais desengano

mais um monstro aparece

a ladeira pela qual ela desce

não tem fim nem aqui nem na lua

a estupidez que flutua

no cérebro líquido de cada ser humano

torna-o cada dia mais um boneco de pano

um fantoche meio sem jeito

a pular como macaco de galho em galho

ou talvez seja mesmo um espantalho

esse grotesco arremedo de símio

que não tem do primo nem o exímio

raciocínio de usar uma ferramenta

que o torne menos tosco menos bruto

tudo o que faz é apenas o fruto

de um arremedo de civilização

o ser humano como bicho bobão

vai se destruir ao destruir onde mora

sendo estúpido até mesmo na hora

em que solta suas bombas de hidrogênio

sentindo-se como um gênio

que encaixa um prego num furo

destruindo o seu próprio futuro





3.12.2018


(Ilustração: Luca Signorelli, cappella di san brizio - eletti in paradiso - detalhe)






(Você pode ouvir esse poema, na voz do autor, no Podcast cujo link é:

25 de jan. de 2019

gruta






encimando a tua gruta

diante da qual me ajoelho em devoção

há uma santa pequenina

à qual dedico extrema atenção

com óleos santos da minha língua

vou ungindo sem deixar à míngua

seu capuz e sua toda extensão

até que fique firme e bem dura

entronizada em seu altar

aumentando aos poucos a fissura

até fazer você gemer e gozar

essa santa é mesmo milagrosa

venero-a em verso e prosa

porque sei que é santa poderosa

para apimentar nossos enleios

arrepia tua pele do dedão até os seios

e faz que eu me sinta ainda mais feliz

quando após todo o meu empenho

posso entrar na tua gruta até a raiz

com todo o mangalho que eu tenho

e somos então graças a essa santa

agraciados por prazeres tantos

que rezo para todos os santos

que a torne para sempre governanta

de todos os nossos gozos e encantos






14.1.2019

(Ilustração; Jacqueline Secor) 







23 de jan. de 2019

gerânios na janela, uma descoberta






perguntei uma vez há muito tempo já

quem ainda teria gerânios na janela

num futuro que imaginava mais cinzento

e agora passados anos tantos e o futuro

que imaginei escuro nem está assim

tão claro nem está assim tão escuro

e quando um dia caminho pelas ladeiras

pelas ladeiras eternas de meu bairro

eis que deparo com gerânios na janela

de um sobrado em minha própria rua

as flores ali no meio daquele cinza

enfeitando o dia enfeitando meus olhos

e então eu penso que há ainda esperança

que os tempos cinza de tão cinzentos

ainda têm um pouco de cor e vida na janela

na janela que se abre um pouco apenas

aos meus olhos cansados da dor do mundo

onde mulheres são mortas porque são mulheres

gays são mortos apenas porque são gays

negros são mortos porque ora porque são negros

pobres são mortos porque não há outra opção

jovens são mortos porque olham torto e cantam

índios são mortos porque essa terra era deles

gente é morta enfim porque há gente que mata

e a morte ronda cada esquina cada calçada

sobe o morro e ergue bandeiras de cobiça

a morte não esperada aquela que provoca

a dor mais funda porque não tem sentido

assim como não tem sentido gerânios na janela

e no entanto eles os gerânios estão lá

estão na janela para que todos que passarem por ali

possam ver que há gerânios na janela com suas

flores raras e suas folhas verdes e não há morte

nem dor nem desesperança em seu florir absorto

os gerânios apenas nos dizem que a esperança

pode ser apenas uma floreira numa janela

num sobrado espremido numa rua qualquer

uma floreira com gerânios pendurados na janela

assim pendurado o nosso desejo às vezes inútil

de que a morte não passe por ali e colha os gerânios

para enfeitar o túmulo de mais um de nossos irmãos

gerânios na janela uma descoberta de que o tempo

gera o cinza gera a morte mas ainda resistimos





7.1.2019


(Ilustração: Janice Pennington - Window box with red geraniums)



21 de jan. de 2019

eu choro






quando eu penso que deus não existe

eu choro

quando eu penso que não há alívio na oração

eu choro

quando eu penso que não há anjos ao meu lado

eu choro

quando eu penso que estamos todos sós no universo

eu choro

eu choro porque o ser humano não percebe

que a vida é o que se vê por aí e apenas isso

sem metafísicas e sem energias e sem fé

que não há nada que se possa fazer para impedir

os fenômenos dos ventos e das chuvas

os arroubos de vulcões e maremotos

os frios que enregelam os corpos

os calores que derretem os ossos

os vírus que nos corroem por dentro

as bactérias que comem nossas carnes

que não há nada que impeça que nós sejamos

aquilo que somos desde tempos sem memória

que viemos do ínfimo e rastejamos por aí

em milhões de formas e formatos impensáveis

até chegar a isso o que hoje somos e nem sabemos

que tudo o que somos agora será o que seremos

mesmo tendo construído uma falsa civilização

não somos nem um pouco civilizados se pensarmos bem

já que provocamos dores e sofrimentos uns nos outros

e nos matamos por qualquer motivo

e até mesmo sem motivo algum

sim

por isso tudo que eu tento compreender e por tudo aquilo

que nem ouso tentar compreender porque sou uma ameba

a rastejar no meio de estrelas que também não compreendo

eu choro

choro muito

porque não matei deus dentro dos humanos

e não há ninguém que tenha tentado matá-lo definitivamente

que não tenha falhado de forma total e absoluta

e aquele deus maldito que promete a impossibilidade

aquele deus idiota em que todos creem

permanece impune a prometer refrigérios

esse deus que rasteja como um verme

dentro da alma humana alimentando anseios

faz de cada ser um refém

do sofrimento absurdo que assalta a mente

diante de tantos fatos sem controle

diante da morte que não entendemos

e é por isso que eu choro

quando penso nessa solidão sem fim

que é a vida sem nada que nos console

essa vida sem milagres

sem anjos e santos

essa vida sem deus

e no entanto essa vida desse jeito

é a única vida que temos

porque é plena e não somos plenos

e não damos valor a essa vida que temos

por isso e só por isso eu já choraria

e por muitos mais motivos por milhares deles

eu choro

choro como único consolo do meu mais absoluto cepticismo






13.1.2019


(Ilustração: Edvard Munch - harpie, 1907)






19 de jan. de 2019

é isso o amor





(quando fincado profundamente)

[quando aberta a minha vagina]

(em sua vagina o meu pau vibra)

[vibra em torno de seu pau]

(entre a suas fibras e nervos)

[sentindo seus nervos e fibras]

(minha boca à sua boca colada)

[minha língua dentro de sua boca]

(seus seios em meu peito apertados)

[seu peito os meus seios apertando]

(as suas coxas os meus quadris apertando)

[as minhas coxas os seus quadris apertando)

(e meu cérebro parece em transe)

[e meu transe paralisado no cérebro]

(sem nenhum pensamento entre os meus neurônios)

[sem nada que ilumine dentro da cabeça os meus neurônios]

(só o que sinto é o movimento dos meus pulmões)

[só o que sinto é a pulsação dos meus pulmões]

então é isso o que eu sei é isso

o amor

nada mais nada mais nada mais 




3.1.2019

(Ilustração: Nicoletta Tomas Caravia) 





17 de jan. de 2019

convocação







faz tardes quentes nesta primavera

assim como em tantas outras de outrora

já fez tardes de angústia e de espera



que fizesse nos tempos de agora

tardes de esperanças e de gestas

a alimentar nossos risos e festas



fizera já em tempos tão remotos

tardes esquecidas de dor e de pranto

guardadas em retinas como fotos



que entardeceres viraram o quebranto

de lutas desesperadas pelo direito

de encher de raiva e fúria o peito



para impedir que tardes de primavera

trouxessem de novo o velho espantalho

da tortura que arrebenta e desespera



que faça tardes quentes e nosso trabalho

seja de novo clamar pelo companheirismo

para combater uma vez mais o fascismo





2.12.2018


(Ilustração: Bernard Buffet -1928-1999)







15 de jan. de 2019

autorretrato nº 4







fui um aluno mediano do colégio n. s. aparecida

isso há muito tempo numa cidade torta

do sul do estado de minas gerais

um colégio de padres e leigos que se esforçavam

por abrir espaço de ciências e matemática

entre os meus neurônios cheios de estrelas

agradeço a eles os meus conceitos de vida

tanto os tortos como a cidade torta

quanto os éticos falsos de bondade extrema

entre as paredes brancas e carteiras escuras

aprendi da vida o que pouco me valeu

e aprendi das ciências o que ainda me salva

conheci deus e deuses e decorei catecismos

para tornar-me ateu praticante de esconjuros

não pichei muros com frases contra a ditadura

mas logo percebi que havia demônios no poder

porque havia em mim ambíguos ventos da doutrina

cuspidos com dor ao longo dos meus dias

fui sim aluno quase medíocre de um colégio

comandado pela batina preta vendida em roma

e eu sou filho bastardo daquelas crenças inúteis





5.1.2019


(Ilustração: Manabu Mabe - 1994) 






13 de jan. de 2019

antropofagia, o bispo








no ano cristão de 1556 em praias do nordeste afundava

um navio com um certo sardinha que não era peixe mas padre

mais que padre o tal sardinha era bispo o bispo primaz do brasil

mas os caetés não sabiam disso só sabiam que debaixo daquela

saia preta tinha carne de primeira mesmo que não fosse sardinha

e comeram o padre bispo bem comido numa grande festa

não sem antes cantarem e dançarem os caetés para o seu deus

ou talvez nem sei se tinham os caetés algum deus só sei que

fizeram a festa da deglutição do bispo padre que era o primeiro

o primeiro bispo da terra de pindorama um português safado

que tinha no peito uma cruz e debaixo da saia preta um susto

os portugueses entenderam o recado que nenhum outro europeu

jamais entendeu que é a nossa vocação para deglutição de tudo

o que vem do velho mundo com carne sobre os ossos nossa vocação

de comer bem comido e entender bem entendido o que é civilização

os portugueses entenderam tanto e tão bem que mandaram para

substituir o bispo devidamente deglutido um outro bispo primaz

um outro bispo de saia preta e cruz no peito chamado leitão

mas esse os caetés que eram muito desconfiados não comeram não





17.11.2018 


(ano 462 da deglutição do bispo sardinha)


(Ilustração: Hans Staden)



 (Você poderá ouvir esse texto na voz do autor, no podcast indicado ao lado)


11 de jan. de 2019

a poesia






você pode fazer poesia rompendo com tudo o que veio antes

você pode fazer poesia de acordo com toda a tradição poética

seus versos podem ter o ritmo veloz do bater dos tambores

seus versos podem ter o lento marulhar de mares em calmaria

você pode buscar inspiração para a sua poesia nos ventos

que passam por Lisboa e chegam até a uma certa tabacaria

você pode buscar inspiração para sua poesia

num copo de vinho derramado por um poeta árabe

a poesia de seus versos não está nas palavras marcadas

num verso alexandrino especialmente escrito

para satisfazer os vetustos acadêmicos de plantão

a poesia de seus versos não está na escolha de palavras

de priscas eras e grande erudição dicionaresca e vocabular

a poesia de seus versos não está no pensamento profundo

e obscuro de filósofos que buscam o sentido da vida

a poesia de seus versos pode estar em tudo isso ou

em nada disso pode estar apenas na simplicidade

de um sentimento bonito que veio e que passou

levando consigo um perfume de rosas ou apenas

a brisa leve de um fim tarde de outono ou primavera

quando você não está nem alegre nem triste apenas vivendo

e sentindo a vida que passa por você como passa

por todas as demais criaturas do universo num fluxo

contínuo e vivificador a vida como ela é e nada mais

e mais eu lhe digo prezado amigo que pretende ser poeta

você pode encontrar poesia [não se escandalize por favor]

no excremento da vaca que pasta e nem percebe as moscas

assim como você pode encontrar a poesia [e é hora de se

escandalizar um pouco] nos lábios do ser humano mais belo

seja homem ou mulher que você já encontrou em sua vida

eu às vezes vejo poesia na flor do manacá do meu quintal

como vejo poesia na enxurrada que lava a rua e leva sujeira

para a favela lá no final da ladeira e inunda tudo na cidade

paralisando o trânsito derrubando árvores em tempestades

que parecem mais o famoso dilúvio daquele livro cheio

de poesia mas que os homens usam para escravizar os outros

à mente de um deus inexistente e eu acho que é pouca a poesia

que está dentro de mim quando penso nessas coisas aliás

eu quero lhe dizer que a verdadeira e mais profunda poesia

está dentro de você nos seus olhos quando descobre o mundo

tão profunda e tão bela dentro de você que não há palavras

com que você possa delimitá-la ou determiná-la ou mesmo

tentar fazer que os outros a entendam assim como já o tentaram

tantos artistas por aí fora ou você acha que picasso não era poeta

ou você acha que mahler não tentou fazer poesia quando

escolheu o frère jacques para compor uma marcha fúnebre

e niemayer quanta poesia rabiscou em suas linhas curvas

ou pelo menos tentou porque você olha e vê ou não a poesia

também tentam colocar para fora a poesia que está dentro

de si os bailarinos como nijinsky e tantos outros com suas

piruetas de pássaros e cisnes e veja mais ainda meu amigo

a poesia que estava dentro de rodin quando esculpiu o beijo

dos amantes ou quando escandalizou todos os conservadores

com seu quadro a origem do mundo o pintor gustave courbet

os poetas dizem que fazem poesia mas só o que fazem

é compor versos como estes aqui que muitos talvez

nem achem que sejam versos mas isso absolutamente não

importa o que realmente traz para dentro de qualquer ato

de qualquer objeto de qualquer forma a poesia é aquilo

que sentimos num breve e fugidio instante de iluminação

isso sim é poesia e contra esse átimo de revelação não há

maior beleza porque nesse momento nesse exato e fugaz

momento homem somos porém maiores muito maiores que

todos os deuses já imaginados e criados em qualquer olimpo







9.11.2018

(Ilustração: Thomas Moran, 1837-1926: A Miracle of Nature - 1913)









9 de jan. de 2019

verso perdido







fico tentando lembrar

como um louco

o verso que há pouco surgiu em meu cérebro

a memória esvai-se

como o riacho encachoeirado descendo o morro

deixando a espuma branca na folha em branco

e o verso esquecido

esquecido fica

borbulhando como o ar preso na garganta afogada

obscuro pensamento de um desejo não realizado

verso e vida são folhas levadas pela enxurrada

na tarde de chuva forte e lembranças vagas

e não há nada a fazer a respeito disso

nem do verso

nem da vida





5.1.2019


(Ilustração: Javier Arizabalo García)




7 de jan. de 2019

vermelho









vermelho fogo a rodopiar em chamas de paixão 

rendas sobre rendas vermelho sobre vermelho 

o teu corpo em chamas sobre um salto bem alto 

as chamas têm nas tuas costas o branco descansado 

do meu estado de puro êxtase e danças o tango 

em chamas o meu peito o teu corpo esguio e branco 

a rodar em um buraco negro dentro do meu peito 

vermelho o teu vestido vermelho o meu desejo 

o tango num crescendo de fogo e destempero 

roda a roda rodada do vestido em fogo o vermelho 

dos meus olhos em chamas o meu peito em staccato 

o coração a buscar teu ritmo e a despedaçar-se em ti 

fogo o desejo fogo o teu vestido fogo a minha paixão 

a dança em louca ascensão tu a deusa do tango 

e da paixão eu o teu escravo que espera ansioso e tu 

e tu danças até que num repente sem que meus olhos 

o percebam teu vestido cai e estás totalmente nua 

sobre a fogueira de pano ao chão de meu ser faminto de ti 








24.12.2018


(Ilustração: Indira Mukherji - red dress)








5 de jan. de 2019

uma puta em minha cama







quero uma puta em minha cama

abençoada com os óleos santos do papa

que do vaticano nos fode todos os dias

quero uma puta em minha vida

com todos os paus que frequentaram

sua boceta apertada e seu ânus arreganhado

que essa puta seja a dama das camélias

travestida de santa madre teresa de calcutá

quero uma puta na minha cama

ardendo em chamas da inquisição

por ter queimado a bíblia de santo agostinho

vertam-se os sumos das sumas papais

rezem-se todas as orações purificadoras

em concílios de angústias e de incensos

nas orgias em altares de virgens mortas

para que a puta que quero em minha cama

seja a santa pela qual se mataram os papas

que ousaram sacrificar a fé ao prazer

quero essa puta em minha cama

porque são as putas a redenção do mundo







10.12.2018


(Ilustração: desenho erótico resgatado das ruínas de Pompeia)




3 de jan. de 2019

último olhar







a tarde protagoniza um adágio de mahler 

na sinfonia de cores e chilreios e murmúrios 

num lento caminhar para a noite sem lua 



assim também os passos humanos caminham 

sem obter no entanto a beleza do entardecer 

para a noite sem fim que o espera assim que 

o maestro deponha sua batuta e os músicos 

guardem seus instrumentos e apenas anseiam 

por que o público aplauda mas não há público 

apenas o silêncio da noite sem fim e sem lua e 

sem estrelas no rosto o brilho do último olhar 






21.11.2018


(Ilustração; Claude Monet - sunset in Venice)


1 de jan. de 2019

tristesse encore







talvez a noite sem lua

pode ser um noturno de chopin

talvez a incerteza da manhã

pode ser uma aurora não acontecida

talvez os passos lentos no corredor

pode ser a desesperança a lhe sorrir

talvez apenas a vida se repetindo

pode ser qualquer dor que venha do sangue

talvez os olhos mortos da amada

pode ser o espanto do jardim sem flor

talvez uma chuva de verão na praça

pode ser o filme de terror no cinema

talvez tudo não passe de desejos dissolutos

pode ser que nada aconteça e que a vida

siga seu curso através da neblina





10.12.2018

(Ilustração; Max Klinger)