21 de jan. de 2019

eu choro






quando eu penso que deus não existe

eu choro

quando eu penso que não há alívio na oração

eu choro

quando eu penso que não há anjos ao meu lado

eu choro

quando eu penso que estamos todos sós no universo

eu choro

eu choro porque o ser humano não percebe

que a vida é o que se vê por aí e apenas isso

sem metafísicas e sem energias e sem fé

que não há nada que se possa fazer para impedir

os fenômenos dos ventos e das chuvas

os arroubos de vulcões e maremotos

os frios que enregelam os corpos

os calores que derretem os ossos

os vírus que nos corroem por dentro

as bactérias que comem nossas carnes

que não há nada que impeça que nós sejamos

aquilo que somos desde tempos sem memória

que viemos do ínfimo e rastejamos por aí

em milhões de formas e formatos impensáveis

até chegar a isso o que hoje somos e nem sabemos

que tudo o que somos agora será o que seremos

mesmo tendo construído uma falsa civilização

não somos nem um pouco civilizados se pensarmos bem

já que provocamos dores e sofrimentos uns nos outros

e nos matamos por qualquer motivo

e até mesmo sem motivo algum

sim

por isso tudo que eu tento compreender e por tudo aquilo

que nem ouso tentar compreender porque sou uma ameba

a rastejar no meio de estrelas que também não compreendo

eu choro

choro muito

porque não matei deus dentro dos humanos

e não há ninguém que tenha tentado matá-lo definitivamente

que não tenha falhado de forma total e absoluta

e aquele deus maldito que promete a impossibilidade

aquele deus idiota em que todos creem

permanece impune a prometer refrigérios

esse deus que rasteja como um verme

dentro da alma humana alimentando anseios

faz de cada ser um refém

do sofrimento absurdo que assalta a mente

diante de tantos fatos sem controle

diante da morte que não entendemos

e é por isso que eu choro

quando penso nessa solidão sem fim

que é a vida sem nada que nos console

essa vida sem milagres

sem anjos e santos

essa vida sem deus

e no entanto essa vida desse jeito

é a única vida que temos

porque é plena e não somos plenos

e não damos valor a essa vida que temos

por isso e só por isso eu já choraria

e por muitos mais motivos por milhares deles

eu choro

choro como único consolo do meu mais absoluto cepticismo






13.1.2019


(Ilustração: Edvard Munch - harpie, 1907)






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