perguntei uma vez há muito tempo já
quem ainda teria gerânios na janela
num futuro que imaginava mais cinzento
e agora passados anos tantos e o futuro
que imaginei escuro nem está assim
tão claro nem está assim tão escuro
e quando um dia caminho pelas ladeiras
pelas ladeiras eternas de meu bairro
eis que deparo com gerânios na janela
de um sobrado em minha própria rua
as flores ali no meio daquele cinza
enfeitando o dia enfeitando meus olhos
e então eu penso que há ainda esperança
que os tempos cinza de tão cinzentos
ainda têm um pouco de cor e vida na janela
na janela que se abre um pouco apenas
aos meus olhos cansados da dor do mundo
onde mulheres são mortas porque são mulheres
gays são mortos apenas porque são gays
negros são mortos porque ora porque são negros
pobres são mortos porque não há outra opção
jovens são mortos porque olham torto e cantam
índios são mortos porque essa terra era deles
gente é morta enfim porque há gente que mata
e a morte ronda cada esquina cada calçada
sobe o morro e ergue bandeiras de cobiça
a morte não esperada aquela que provoca
a dor mais funda porque não tem sentido
assim como não tem sentido gerânios na janela
e no entanto eles os gerânios estão lá
estão na janela para que todos que passarem por ali
possam ver que há gerânios na janela com suas
flores raras e suas folhas verdes e não há morte
nem dor nem desesperança em seu florir absorto
os gerânios apenas nos dizem que a esperança
pode ser apenas uma floreira numa janela
num sobrado espremido numa rua qualquer
uma floreira com gerânios pendurados na janela
assim pendurado o nosso desejo às vezes inútil
de que a morte não passe por ali e colha os gerânios
para enfeitar o túmulo de mais um de nossos irmãos
gerânios na janela uma descoberta de que o tempo
gera o cinza gera a morte mas ainda resistimos
7.1.2019
(Ilustração: Janice Pennington - Window box with red geraniums)
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