23 de jan. de 2019

gerânios na janela, uma descoberta






perguntei uma vez há muito tempo já

quem ainda teria gerânios na janela

num futuro que imaginava mais cinzento

e agora passados anos tantos e o futuro

que imaginei escuro nem está assim

tão claro nem está assim tão escuro

e quando um dia caminho pelas ladeiras

pelas ladeiras eternas de meu bairro

eis que deparo com gerânios na janela

de um sobrado em minha própria rua

as flores ali no meio daquele cinza

enfeitando o dia enfeitando meus olhos

e então eu penso que há ainda esperança

que os tempos cinza de tão cinzentos

ainda têm um pouco de cor e vida na janela

na janela que se abre um pouco apenas

aos meus olhos cansados da dor do mundo

onde mulheres são mortas porque são mulheres

gays são mortos apenas porque são gays

negros são mortos porque ora porque são negros

pobres são mortos porque não há outra opção

jovens são mortos porque olham torto e cantam

índios são mortos porque essa terra era deles

gente é morta enfim porque há gente que mata

e a morte ronda cada esquina cada calçada

sobe o morro e ergue bandeiras de cobiça

a morte não esperada aquela que provoca

a dor mais funda porque não tem sentido

assim como não tem sentido gerânios na janela

e no entanto eles os gerânios estão lá

estão na janela para que todos que passarem por ali

possam ver que há gerânios na janela com suas

flores raras e suas folhas verdes e não há morte

nem dor nem desesperança em seu florir absorto

os gerânios apenas nos dizem que a esperança

pode ser apenas uma floreira numa janela

num sobrado espremido numa rua qualquer

uma floreira com gerânios pendurados na janela

assim pendurado o nosso desejo às vezes inútil

de que a morte não passe por ali e colha os gerânios

para enfeitar o túmulo de mais um de nossos irmãos

gerânios na janela uma descoberta de que o tempo

gera o cinza gera a morte mas ainda resistimos





7.1.2019


(Ilustração: Janice Pennington - Window box with red geraniums)



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