de repente assim sem mais nem menos
como a praga de advérbios invadindo o poema
todas as desgraças do mundo se abateram sobre mim
de uma vida de sorrisos mais ou menos plenos
vi-me em dores no leito cheio de doenças
e não posso nem dançar uma valsa de strausss?
colocar para fora a porra do sentimento
de que o mundo conspira para me matar?
ora! que se fodam os que criticam
o sentimentalismo barato das desgraças pessoais
um ser humano tem sempre o seu direito
tanto de abusar de advérbios e de adjetivos quanto
de chutar o balde de merda de vez em quando
mesmo que não se compreenda
que essa merda toda caia sobre a própria cabeça
e assim de advérbio em advérbio coleciono
meus ais e angústias e que tudo mais se exploda
num poema de merda mal alinhavado no meio
da noite de pessimismo e desconforto
solto sim meu eu como solta o caçador o seu mastim
e saio à caça de mim e dos meus tormentos todos
e mando pro raio que os parta todos os escrúpulos
que de mim e só de mim e do meu eu
agora aqui nessa cama desolado e sofrendo
é que se trata afinal mais uma vez esse
merda de poema ou esse poema de merda
5.8.2019
(Ilustração: escultura de Camille Claudel - a onda, 1903)