25 de ago. de 2019

visita noturna






na madrugada visitam o doente

todas as mazelas

olha no relógio – duas e trinta e um

tosse um pouco

levanta

anda

sente frio

o soro pinga

cobre-se com várias cobertas

treme

sua

o calor joga para o lado o cobertor

vira-se

levanta-se

anda mais um pouco

o soro pinga

olha no relógio – duas e trinta e dois

a prisão aperta

as paredes aproximam-se perigosamente do leito

o vento é frio

cobre-se

veste-se

esquenta

despe-se

vira-se

tosse

o soro pinga

a cama tem espinhos e as juntas de todo o corpo doem

o pulmão parou de funcionar

o dedão do pé comicha

o estômago ronca

o cérebro graceja

olha no relógio – tuas e trinta e três

os olhos lacrimejam

a perna dói

o nariz escorre

está frio ou está quente?

o soro pinga

olha no relógio – duas e trinta e três

cospe uma saliva rala

puxa a coberta

suor frio / suor quente

o braço adormeceu

a perna adormeceu

a orelha adormeceu

só o cérebro não dorme

pé quente / nariz frio

pensa

sonha

lembra

relembra

o soro pinga

olha no relógio – duas e trinta e três

o espaço entre o espasmo e o bocejo diminui

sente

sofre

chora

as costas ardem

o intestino não funciona

os rins não funcionam

os pulmões não funcionam

o nariz está gelado

o pé está quente

o pescoço estala

vira de lado

vira de bruços

vira de costas

o soro pinga

olha no relógio – duas e trinta e três

a visita não vem

a sombra não vem

o fantasma não vem

não vem a esperança nem renega o anseio

vaga pelo espaço

sonha

há sombras nos olhos

o soro pinga

olha no relógio – duas e trinta e três

quebra o termômetro

descasca a ferida

assoa o nariz

limpa a garganta

olha para cima

olha para o lado

o soro pinga

as paredes aproximam-se ainda mais perigosamente do leito

olha para o relógio – a vista embaça

o tempo espetado na parede branca

o tempo espetado no peito em brasa

a visita não chega

não há mais mezinha

não há mais dor

não há mais relógio

só o soro escorre pela veia

pela veia

pela veia

talvez amanhã

talvez amanheça

talvez a luz

talvez nada

duas e trinta e três

duas e trinta e três

duas e trinta e três

a visita







10.8.2019

(Ilustração: Hannah Höch)

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