na madrugada visitam o doente
todas as mazelas
olha no relógio – duas e trinta e um
tosse um pouco
levanta
anda
sente frio
o soro pinga
cobre-se com várias cobertas
treme
sua
o calor joga para o lado o cobertor
vira-se
levanta-se
anda mais um pouco
o soro pinga
olha no relógio – duas e trinta e dois
a prisão aperta
as paredes aproximam-se perigosamente do leito
o vento é frio
cobre-se
veste-se
esquenta
despe-se
vira-se
tosse
o soro pinga
a cama tem espinhos e as juntas de todo o corpo doem
o pulmão parou de funcionar
o dedão do pé comicha
o estômago ronca
o cérebro graceja
olha no relógio – tuas e trinta e três
os olhos lacrimejam
a perna dói
o nariz escorre
está frio ou está quente?
o soro pinga
olha no relógio – duas e trinta e três
cospe uma saliva rala
puxa a coberta
suor frio / suor quente
o braço adormeceu
a perna adormeceu
a orelha adormeceu
só o cérebro não dorme
pé quente / nariz frio
pensa
sonha
lembra
relembra
o soro pinga
olha no relógio – duas e trinta e três
o espaço entre o espasmo e o bocejo diminui
sente
sofre
chora
as costas ardem
o intestino não funciona
os rins não funcionam
os pulmões não funcionam
o nariz está gelado
o pé está quente
o pescoço estala
vira de lado
vira de bruços
vira de costas
o soro pinga
olha no relógio – duas e trinta e três
a visita não vem
a sombra não vem
o fantasma não vem
não vem a esperança nem renega o anseio
vaga pelo espaço
sonha
há sombras nos olhos
o soro pinga
olha no relógio – duas e trinta e três
quebra o termômetro
descasca a ferida
assoa o nariz
limpa a garganta
olha para cima
olha para o lado
o soro pinga
as paredes aproximam-se ainda mais perigosamente do leito
olha para o relógio – a vista embaça
o tempo espetado na parede branca
o tempo espetado no peito em brasa
a visita não chega
não há mais mezinha
não há mais dor
não há mais relógio
só o soro escorre pela veia
pela veia
pela veia
talvez amanhã
talvez amanheça
talvez a luz
talvez nada
duas e trinta e três
duas e trinta e três
duas e trinta e três
a visita
10.8.2019
(Ilustração: Hannah Höch)
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