o rádio tocava uma valsa triste
- naquele tempo havia valsas
e todas as valsas eram tristes –
e eu suspendia um pouco a mão
do caderno e ouvia a valsa triste
tão triste como era a tristeza
que havia dentro de mim uma
tristeza do velho spleen dos
poetas que frequentavam minha
imaginação e fervilhavam poemas
tristes dentro de mim e eu queria
viver e morria em cada verso
voando ao som da valsa triste
que o rádio tocava na noite fria
de silêncios tristes e estrelas
distantes e eu amava o amor que
brotava daqueles versos tristes e
das estrelas distantes e eu amava
o amor que então brotava daqueles
versos tristes de poetas trágicos e
tentava fingir o que eles tão bem
fingiam escrevendo versos tortos
e tristes com rimas pobres e ricas
tristezas trazidas pelo vento suave
de noites quentes era assim o meu
aprendizado de amores que um dia
pisariam o meu peito e fariam do menino
que ouvia valsas tristes e lia poetas
ainda mais tristes e escrevia versos tortos
o eterno escritor de versos sem conserto
9.11.2019
(Ilustração: Eric Lacombe - dark abstract portraits)