na televisão um concerto da orquestra sinfônica de Antuérpia
e eu penso e tento lembrar onde fica a Antuérpia
não tenho a menor ideia
assim como os habitantes de Antuérpia
não devem ter também a menor ideia de que eu existo
e estou ouvindo músicos lá na cidade deles
tocando uma sinfonia de Brahms para meus ouvidos enlevados
se não tivesse ligado a televisão
jamais saberia que há na cidade de Antuérpia
uma orquestra que toca Brahms
e a minha vida seguiria sem que me preocupasse
de que existe neste planeta uma cidade chamada Antuérpia
assim como existem milhares e milhares
de outros tantos lugares
com nomes comuns ou exóticos onde vivem talvez
milhões e milhões de seres bípedes
a que nós dizemos pertencer à assim cantada
em prosa e verso - a raça humana
ou ainda como dizem os antropólogos – o homo sapiens
seres que ouvem Brahms ou fazem panelas de barro
andam nus pelas florestas ou cobertos de ouro e prata
que atiram flechas envenenadas em pobres veados
ou cometem crimes bárbaros contra seus semelhantes
tanto em pântanos podres de terras inconquistadas
quanto em apartamentos luxuosos do coração de Manhattan
enquanto penso mil façanhas e muito mais
dos mistérios e estranhezas desse homo sapiens
e minha imaginação alça voos transoceânicos
e viaja pelas poeiras e esteiras da Via Láctea
ali na minha frente na tela da tevê
a orquestra sinfônica de Antuérpia toca Brahms
e é só isso o que importa
2.5.2020
(Ilustração: Erasmus de Bie - Carnival Floats on the Meir Square in Antwerp -1670)
Você pode ouvir esse texto, na voz do autor, lSAIAS EDSON SIDNEY, nos seguintes endereços:
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