31 de jul. de 2020

Antuérpia




na televisão um concerto da orquestra sinfônica de Antuérpia

e eu penso e tento lembrar onde fica a Antuérpia

não tenho a menor ideia

assim como os habitantes de Antuérpia

não devem ter também a menor ideia de que eu existo

e estou ouvindo músicos lá na cidade deles

tocando uma sinfonia de Brahms para meus ouvidos enlevados



se não tivesse ligado a televisão

jamais saberia que há na cidade de Antuérpia

uma orquestra que toca Brahms

e a minha vida seguiria sem que me preocupasse

de que existe neste planeta uma cidade chamada Antuérpia

assim como existem milhares e milhares

de outros tantos lugares

com nomes comuns ou exóticos onde vivem talvez

milhões e milhões de seres bípedes

a que nós dizemos pertencer à assim cantada

em prosa e verso - a raça humana

ou ainda como dizem os antropólogos – o homo sapiens

seres que ouvem Brahms ou fazem panelas de barro

andam nus pelas florestas ou cobertos de ouro e prata

que atiram flechas envenenadas em pobres veados

ou cometem crimes bárbaros contra seus semelhantes

tanto em pântanos podres de terras inconquistadas

quanto em apartamentos luxuosos do coração de Manhattan



enquanto penso mil façanhas e muito mais

dos mistérios e estranhezas desse homo sapiens

e minha imaginação alça voos transoceânicos

e viaja pelas poeiras e esteiras da Via Láctea

ali na minha frente na tela da tevê

a orquestra sinfônica de Antuérpia toca Brahms

e é só isso o que importa

 



2.5.2020

(Ilustração: Erasmus de Bie - Carnival Floats on the Meir Square in Antwerp -1670) 

 


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