há uma passagem estreita e escura
que me leva de dentro de mim
para o mundo enevoado da imaginação
quando a ultrapasso – e isso ocorre
muitas vezes ao dia – sei apenas
que caminho
não sei para onde vou
não há esmorecimento nesse caminhar
nem anseios por logo chegar
não há à frente nada que indique um porto ou destino
apenas o desconhecido a me espreitar e a me esperar
e ele está lá – o desconhecido –
sempre solidário e sempre atento aos meus passos
sempre um sorriso em seu rosto vazio
conhecemo-nos há tanto tempo
que não sei mais que cor ainda habita em seus olhos
entendemo-nos sem nos encarar
caminhamos juntos como caminharia um casal
por entre as flores de um roseiral
sou ele e ele a mim me pertence
e se não temos mais intimidade
do que estar um ao lado do outro
é porque somos o ser e a sombra ao sol
do mundo que criamos para nós
e um não precisa do outro ouvir a voz
para que os passos nos levem aos ignotos portos
onde desfazemos todos os nós
de nossos ancorados versos tortos
e damos asas aos nossos desejos que pareciam mortos
14.5.2020
(Ilustração: Wols - Alfred Otto Wolfang Schulze - 1937)
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