19 de out. de 2020

inverno de 2020

 




um inverno de noites frias

e dias quentes

há um cheiro de silêncio no ar

não é o silêncio de noites aladas

nem há pássaros na noite a bailar

embora a cidade fervilhe de gente



buracos negros são cavados em algum lugar

silenciosamente

e eles – os buracos negros – esperam pacientemente

sua espera é breve e logo recebem

seus conteúdos mudos em caixas fechadas

hermeticamente

não há ninguém para jogar flores

não há ninguém para expressar suas dores

só os homens duros de máscaras negras

no cansaço de suas pás escornados

com o olhar perdido no horizonte de seus lares

sonhando com copos sujos nas mesas dos bares

todos eles cansados – muito cansados



o choro está contido entre as paredes das casas

o choro está contido entre as paredes dos apartamentos

o choro está contido principalmente

entre as tábuas frouxas dos barracos abraçados

e só os barracos têm licença para se abraçarem



o espanto fugiu dos olhos para os passos pesados

dos que se arrastam pelas nuvens da incerteza

para os corpos que se juntam nos ônibus lotados

e só se separam no silêncio dos buracos negros



há um cheiro de silêncio neste inverno

e esse silêncio rotundo parece tão eterno

que só se ouve dentro da noite

o monstro impassível a ranger os dentes

cevando a cova dos mais impacientes 





17.7.2020 

(Ilustração: Adolph Menzel - The Studio Wall - 1872)











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