um inverno de noites frias
e dias quentes
há um cheiro de silêncio no ar
não é o silêncio de noites aladas
nem há pássaros na noite a bailar
embora a cidade fervilhe de gente
buracos negros são cavados em algum lugar
silenciosamente
e eles – os buracos negros – esperam pacientemente
sua espera é breve e logo recebem
seus conteúdos mudos em caixas fechadas
hermeticamente
não há ninguém para jogar flores
não há ninguém para expressar suas dores
só os homens duros de máscaras negras
no cansaço de suas pás escornados
com o olhar perdido no horizonte de seus lares
sonhando com copos sujos nas mesas dos bares
todos eles cansados – muito cansados
o choro está contido entre as paredes das casas
o choro está contido entre as paredes dos apartamentos
o choro está contido principalmente
entre as tábuas frouxas dos barracos abraçados
e só os barracos têm licença para se abraçarem
o espanto fugiu dos olhos para os passos pesados
dos que se arrastam pelas nuvens da incerteza
para os corpos que se juntam nos ônibus lotados
e só se separam no silêncio dos buracos negros
há um cheiro de silêncio neste inverno
e esse silêncio rotundo parece tão eterno
que só se ouve dentro da noite
o monstro impassível a ranger os dentes
cevando a cova dos mais impacientes
17.7.2020
(Ilustração: Adolph Menzel - The Studio Wall - 1872)
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