4 de jan. de 2021

Pensamentos vãos

 




Pensamentos vãos que voam pelos vãos da memória e vão-se aos ventos da noite vã. 

Uma mulher está deitada numa cama de plumas etérea e fina como o dia – a mulher, não a cama, é que é etérea e fina como o dia – e ela tem na boca uma rosa cristalizada que pinga o sangue de meus beijos 

Um poder misterioso emana de meus dedos e eu sei que o vento vazio da vida virá um dia por esses furos por onde o vento emana e encherá de mistérios o meu amor por ti – ó deusa construída de vapores e lírios das charnecas de países longínquos. 

Ouço os teus gemidos – ó desencantos de viver – e aprecio o desejo que se entranha nos desvãos da minha memória e acendem fogueiras ancestrais dentro de meu peito. 

Leio que há chamas e que tudo são chamas em Octavio Paz e empedra-se-me o peito pelas penetrações de pontudas pontas de flecha pelos meus poros e anseio os teus anseios – ó deusa de caminhos perdidos e de cantos medonhos dos mares profundos. 

Despacho para o espaço os fluidos de meus anseios e despeço-me de mim – fauno desencantado das florestas úmidas de teus pelos – e só posso retornar aos teus paraísos perdidos quando o céu se abrir em estrelas de porcelana na cama de plumas onde pressagias meus caminhos com uma rosa cristalizada na boca a pingar o sangue de meus beijos. 

Nua – tu me castigas com teus desvãos – deixas-te levar pelos ventos vazios e pelos meus pensamentos vãos aos cálix bentos da loucura e te vingas de meus ardores ao cortares os meus dedos em chamas e encheres de mistérios os meus dias. Digo-te adeus e persigno-me às cruzes de todos os demônios. 



12.7.2020 

(Ilustração: Francois Martin-Kavel)

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