às vezes me pergunto o que é a vida real
se tenho asas e não consigo voar
se tenho pernas e não consigo me ajoelhar
se tenho mãos e não consigo espancar
se tenho olhos e não consigo enxergar
se tenho orelhas e não consigo escutar
se tenho boca e não consigo mastigar
rezo todos os dias para um deus inexistente
corro ladeira abaixo ladeira acima e não vou a lugar algum
escrevo poemas para mim mesmo e nem sempre me espanto com isso
vejo o crescimento das raízes sob as plantas e sou apenas um escravo de rotinas
componho sinfonias sem saber uma só nota musical ainda que creia em beethoven
o que vomito fica preso em minha boca como musgo no seio das sereias
e a vida flui porque a vida é movimento
cada elétron ou qualquer outra nanopartícula de meu corpo estrela um filme de carlitos
porque a vida é real
mesmo que eu seja o fantasma da ópera cego surdo mudo aleijado e alijado do tempo
porque a vida é real
mesmo que eu sonhe o dia de beijar tua boca sem saber ao menos se tens boca para me beijares
e os anseios que sinto são apenas sintomas inapeláveis de minha incapacidade de saber se a vida é real ou não embora eu penso que sim que ela é real embora eu saiba que embora ela seja real ela sempre me faz mal muito mal
porque é assim a vida real
ou não
sei lá
1.4.2021
(Ilustração: Edward Hopper - Puro teatro)
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