pode a minha poesia às vezes ter o perfume de rosas mas
não te enganes – eventual leitor – a minha poesia
tem raízes no esterco das hortas dos interiores profundos
e seu cheiro esconde a química da transformação da merda de bois e cavalos
espalhadas pelos caminhos tortuosos de terra e areia
em falsas suavidades e duros espinhos que
se não machucam a pele paquidérmica dos capitalistas
aquela pele enrugada dos velhos decrépitos em seus cemitérios de ouro e prata
enrijecida à luz dos holofotes dos salões de hipócritas caridades
é porque seus descarados desencantos e diatribes
são meros traques na queima de fogos de réveillons e festas de casamento
são tiros de espingarda de ar comprimido para abater caças
das forças aéreas dos estados unidos da américa useiras e vezeiras
em lançar bombas sobre todos aqueles que olham torto para o grande cannyon
gota de chanel número cinco
no meio do suor de milhões e milhões de desalentados
a caminhar pelas estradas vazias
mesmo que não seja a minha poesia
o canto dos oprimidos
seu perfume de estranhas origens rescenderá nas noites de lua nova
pelo menos uma vez por ano – um átimo apenas -
e será essa tênue névoa o suficiente
para deixar na terra dos poderosos o fósforo riscado no meio dessa noite
a trazer o piscar de esperança para um mundo sem nenhuma poesia
23.1.2021
(Ilustração: Relm - queen of hearts)